Era uma tarde fria de agosto.
O vento uivava em meus ouvidos me fazendo perder a concentração nos passos apressados nas ruas esburacadas do caminho de volta do shopping.
Mamãe estava tensa. Podia ouvir seus dentes rangendo enquanto levava as mãos unidas para o céu. Devia estar pedindo uma intervenção divina. A mim, só dizia que me achava louca e que eu deveria estar no hospital, não ali.
Eu realmente não deveria ter ido ao shopping, mas a médica havia dito para que me mantivesse ativa. O trabalho de parto estava apenas no início quando ela me examinou, mas agora começava a sentir a barriga endurecer de maneira mais ríspida.
Contrações. Eu estava aprendendo o que elas eram. Eu e os muros dos prédios do meu bairro, que me escoravam a cada parada minha para respirar ou prender a respiração.
- Anota o horário - gritava para meu marido. - Que horas foi a última?
Ele estava chegando. Eu sabia que estava. E estava certa.
Faz 10 anos que isso aconteceu.
Faz 10 anos que sou mãe.
Faz uma década que Rafael mudou a minha vida de uma maneira que eu nunca imaginei que mudaria.
Faz uma década que sou menos egoísta, que ganhei mais flexibilidade e aceitei que planos não são escritos em pedras.
Sem ele, não teria também ela. Mariana. Quem a trouxe para mim foi o amor que senti por seu irmão. Amor tão grande, que multiplicou.
Amor que senti quando vi seus olhinhos, embora tenha duvidado dele nos primeiros meses sem dormir.
O que fiz com a minha vida?, me perguntava.
A resposta veio com o tempo. Não enterrei a Andrea anterior, como pensava ter enterrado. Ao contrário, a fiz renascer. E foi um renascimento lindo de um ser humano que eu não sabia que seria capaz de ser. Mas sou por ele. Por ela. Por eles.
Hoje completo uma década como mãe.
Eu tinha medo disso. Da longevidade das coisas. Mas quando Rafael nasceu e a maternidade bateu à minha porta, fui atropelada. Deixei de ser para apenas existir. Com isso, deixei de pensar nesse negócio de longevidade. Fui existindo, reconstruindo e voltando a ser. Nisso 10 anos se passaram e eles viraram parte de mim e eu, parte deles. Não sei como seria minha vida sem ser mãe. Não consigo sequer me lembrar da vida sem eles.
Faz uma década que sou mãe.
Obrigada, meu filho. Estou ansiosa com as décadas que estão por vir.
Sua mãe
(28 de agosto de 2024)
E o marketing, Andrea Cristina?
Pois é, e o marketing?
A publicidade é conhecida por romantizar muitos aspectos da nossa vida, como a maternidade. Não é à toa que “Família Doriana” virou sinônimo de família perfeita, impecável, que sorri no café da manhã como se a mãe não precisasse pedir 357 vezes ao filho que escove os dentes.
No dia das mães então, a gente chora mais no intervalo da novela que na própria novela. A gente compartilha as campanhas no grupo de Whatsapp da escola e fica todo mundo achando que a vida é assim, linda, mara, igual ao comercial.
E o que dizer das propagandas de sabão em pó? Ainda mais agora, que eles inventaram de dizer que criança tem que sujar. Tem, mas peralá. Não sempre. OMO não remove as manchas dos uniformes escolares. Pelo menos não por aqui. Ou será que estou fazendo algo muito errado? Ah, a maternidade… a gente erra tentando acertar… Vou tentar deixar de molho no bicarbonato com vinagre, quem sabe dá certo
Aí vem a rede social.
A gente fica lá, o tempo todo, se comparando com mães perfeitas que são patrocinadas por marcas de fraldas, papinhas e roupas. A gente sabe que o Instagram não é nem 5% da vida real, mas até lembrar disso, a Inveja toma posse do nosso painel de controle a la Divertidamente.
E quando aparece a Ballerina Farm no feed? Linda, modelo, bailarina, fazendeira, empresária, miss Utah e - prepara - MÃE DE SETE! SETE! 1, 2, 3, 4, 5, 6, SETE! E você dizendo que não dá conta de um, que vergonha.
Na verdade, A maternidade é uma experiência complexa, rica em emoções (boas e ruins) e desafios que variam de mãe para mãe. No entanto, a maneira como a publicidade frequentemente retrata essa jornada ainda está longe da realidade. A mãe linda, arrumada, penteada e sempre sorrindo é um porre. Eu detestava ver cenas assim quando estava no puerpério. Isso me fazia me sentir totalmente inadequada. E olha que eu sou publicitária e - mais ou menos - esclarecida.
Por isso não me surpreende o resultado de uma pesquisa publicada na Harvard Business Review, que diz que quanto mais propaganda você assiste, menos feliz você se sente. A propaganda estabelece um padrão do que é bom. Aí a gente pega essa referência, compara com a própria vida e chora.
Felizmente, algumas marcas já começaram a seguir esse caminho. Campanhas que mostram a realidade da maternidade, incluindo momentos de exaustão, dúvidas e imperfeições, têm ressoado de forma positiva com o público. Como acampanha Under Pressure, da Dove, que ja apareceu aqui, bem no começo dessa newsletter, na edição 15, junto com a crônica “A boneca”, que é uma das minhas favoritas.
Ao incentivar um diálogo aberto e honesto sobre a maternidade, a publicidade pode desempenhar um papel crucial na construção de uma sociedade que valorize e respeite todas as facetas da complexa experiência da maternidade.
E, como marqueteira, ainda te digo que ao fazer propaganda com a empatia necessária, você estreita seus laços com seu consumidor. Você cria vínculos e, ao criar vínculos, cria também valor à marca.
Não aprendi dizer adeus
⏳ Há exatamente 1 ano, fiz uma edição especial para comemorar os 9 anos do Rafael. Nela existe um micro estudo de caso da marca Pokemon. Reli e gostei:
⏳ Há 2 anos também teve news, com um texto de 2014, links ligados a tudo que Rafael curtia na época e falando sobre “The Spaghetti Problem”.
Das minhas abas:
🎞️ Os processos de criação de uma animação do Disney Animation Studios
🎤 Afonso Padilha compartilha o processo criativo de se criar um show de stand up comedy, em quatro episódios. Aqui o link para o primeiro.
🥊 A cruzada pessoal da contra uma página de memes, na edição 37 da sua news Não Prometo Nada. Apenas leia.
📕 A
fala, na segunda edição da sua news, sobre os processos da publicação do Gradiente, livro em que ela e eu estreamos como escritoras, junto com outras 22 mulheres de 9 estados brasileiros. Está muito legal!Mas deixo você ir
Sem lágrimas no olhar. Com news atrasada, mas tudo bem. Tive que me recuperar de receber 10 moleques cheios de energia aqui no dia do aniversário do Rafael.
Até semana que vem!
Um beijo,
Andrea
(quer falar comigo? Responda este e-mail ou escreva para andrea@ideaonline.com.br)
Chegou até aqui e gostou? Inscreva-se e não perca nenhuma edição.
eu lendo essa edição pensando em ser mãe daqui um tempo 👀
imagino que a maternidade seja uma mudança gigantesca, mas deve dar um baita orgulho ver que a gente dá conta de criar um outro ser humano. 😍