#95 - Preciso falar do Bon Jovi
E como o documentário dos 40 anos da banda fala diretamente conosco
Eu tinha quase 14 anos quando Always foi lançada. Always e sua melação toda. Aquela breguice que começa com “este Romeu está sangrando e você não consegue ver seu sangue”. Aquele clipe na MTV com um cara sem camisa que trai a namorada, é abandonado por ela, que, por sua vez, posa para outro cara pintá-la, mas o cara sem camisa vai lá e rasga o quadro num ataque de fúria, antes de ser abandonado para sempre. Mas ele sempre vai amá-la. Always me conquistou.
Com Always, descobri a banda Bon Jovi. E Jon. A paixão me pegou. Tentei escapar, não consegui. Sou fã até hoje. Às vezes ainda choro em Always, pois me lembra do início da adolescência, na casa dos meus pais. Lembro-me do estéreo preto na sala de estar e eu ali, aconchegada num tapete macio feito pelo meu avô, lendo as letras nos encartes dos CDs da banda, encantada.
Bon Jovi completa este ano 40 anos de estrada. Em comemoração, foi lançado o documentário Thank you, Goodnight na Star+.
Coloquei alarme no meu celular para não perder a estreia.
Assisti e me surpreendi do tão pouco que eu sabia da banda e do próprio Jon. Lá nos anos 90, tínhamos acesso a poucas entrevistas, muito limitadas à revistas. Nem a MTV passava as entrevistas americanas. A gente se contentava em saber que ele era casado, tinha três filhos, é pisciano e de New Jersey.
O documentário é bem produzido. Mescla a história da banda desde o comecinho com um Jon Bon Jovi atual, com sessenta anos, que ainda ama fazer música, mas que enfrenta as limitações da sua idade. Que se frustra. Que quer continuar dando seu melhor, mas não consegue. Que enfrenta a sua própria vulnerabilidade. Que entende que, apesar de ter o símbolo do Superman tatuado no braço, ele está longe de ser o homem de aço.
É bonito e é triste. Não se baseia numa nostalgia pura, especialmente porque Jon Bon Jovi está ativo, prestes a lançar um novo álbum em junho, mesmo com um problemas nas cordas vocais.
O líder da banda tinha uma atrofia em uma das cordas vocais e sente dor ao cantar há mais de dez anos. O que era apenas dor, tornou-se um limitador de seus alcances vocais. Durante o documentário, podemos sentir o peso deste problema em sua vida e o quanto isso o afeta psicologicamente. É duro não ser o melhor da banda. É pior ainda ser o pior da banda, como ele mesmo falou em uma entrevista para o The New York Times.
Jon sempre teve à disposição tratamentos de ponta, até não dar mais. Foi operado em 2022 e suas últimas apresentações foram decepcionantes para si mesmo. O público mesmo não estava nem aí para suas notas altas. O público queria ia aos shows para ver a banda. Pela história. Por eles significarem tanto a tanta gente. Mas Jon Bon Jovi se cobra como nós. Espera a aprovação de terceiros como nós. Está sempre sendo seu pior crítico, adivinhe como quem.
Lembrei tanto da última newsletter quando assisti o documentário, aquela que falo da autocrítica exacerbada. Tudo bem que, neste caso, estamos falando em um problema de saúde, mas que representa, por todos os sentimentos que desencadeiam em sua função, a nossa dificuldade em se bastar como a gente é. Como disse, seu público não estava muito aí para as suas notas altas. Assim como o público da Madonna não ligou muito para um show inteiro em playback. Fã é fã e vice-versa. Mas ele nunca quis os elogios. Ele precisa sentir-se suficientemente bom.
Em um ponto do documentário, ele questiona, aos 30 anos, se mereceu tudo o que havia conquistado e diz que é preciso aceitar a fama. Nesse momento eu pausei, voltei e filmei:
Jon sempre levou seu trabalho a sério. Se divertia, mas sabia que estava aquele era seu trabalho. Nunca abusou da bebida e das festas. Ia dormir cedo para poupar a voz. Bem careta, como diziam os demais integrantes da banda. Não era raro ele acordar às 5h, quando estavam em turnê, para comparecer aos programas das rádios locais, enquanto os outros estavam indo dormir. Bem caxias. Bem do jeito que eu gosto.
A verdade é que ele sabia onde queria chegar e foi focado. Trabalhou duro. Conquistou não por acaso. Teve a humildade de encarar críticas sem desmoronar (segundo álbum? Socorro!). Humildade em começar varrendo um estúdio em Nova Iorque para ver como aquilo tudo funcionava. Em enviar demos para gravadoras de todo o país e ser rejeitado por todas. Em dar o braço a torcer e incluir Livin’ on a Prayer (que se tornaria um dos maiores sucessos da banda) no álbum Slippery When Wet. Chegou a ouvir de dois professores de canto que ele não servia para aquilo e que não daria em nada. Seguiu em frente.
Mas ele era workaholic. Não percebeu quando seu principal parceiro de banda, Richie Sambora, estava prestes a ter um burnout (como realmente teve e abandonou o Bon Jovi sem nem atender o telefone. Correu três dias sem olhar para trás, como diria minha irmã).
Mas nem a gente percebe nosso próprio esgotamento, não é mesmo? Meu burnout aconteceu de forma silenciosa. Parecia que vinha do além. Mas eram camadas e mais camadas de sobrecarga.
Jon Bon Jovi era um líder tão obstinado, que eu o definiria até como um pouco neurótico. Muitas vezes emendava turnê de mais de cem shows com estúdio para gravação de um novo álbum. Sem muito descanso. Com a pressão de emplacar sempre pelo menos um hit de sucesso nas paradas. Um doido. Quase causou a separação da banda. Adoro esse babado, mas eles não entram tanto em detalhes. Uma pena.
Por fim, preciso falar sobre a banda. Depois de quarenta anos, são quase os mesmos integrantes do início. David Bryan nos teclados. Tico Torres na bateria. Quando subiram no palco do Rock and Roll Hall of Fame em 2018, estavam todos lá, até Sambora. Até Alec John Such, baixista da formação original, que começou a abusar de substâncias lícitas e ilícitas e, por isso, convidado a se retirar. Foi lindo ver todos ali no palco, agradecendo um a um, tocando juntos, celebrando uma conquista que teve que vir com quase 40 anos de estrada, milhares de shows e muitos hits no topo das paradas.
Mesmo fazendo parte de uma banda por tantos anos, todos os integrantes da banda tinham seus projetos paralelos. Um respeitando o outro. Tico Torres tocou com Miles Davis, Sambora gravou três álbuns e David Bryan estreou na Broadway. Mas sempre voltavam para uma nova fase do Bon Jovi. Fala sério, nem os Beatles foram tão amigos assim. Teve ainda aquela Yoko Ono que… bom, deixa pra lá que essa é outra história.
Mas essa história aqui eu precisava contar,. Mesmo que resumidamente. É tudo verdade? Tudo aconteceu exatamente com os integrantes da banda contaram? Não sei. A realidade pertence à vida e a memória às vezes, é falha. Outras vezes, traz uma verdade que é só de quem conta a história. Mas eu precisava falar de Bon Jovi. Não somente pelo meu amor pela banda, mas por ser uma história bonita de foco, superação e trabalho duro. Por mostrar um ídolo lutando com os desafios que chegam com a idade e que não são exclusivos de reles mortais, como você e eu. E principalmente, por ser uma história sobre amizade.
Não aprendi dizer adeus
Continuando minha newsletter groupie, meus links de hoje não poderiam ser diferente.
🤘🏼 Como ser Groupie? Tem uma wiki pra isso.
🎤 Como surgiu o nome da banda Bon Jovi? Uma esquete maravilhosa:
🩰 Já que falamos em envelhecimento, trago um espetáculo de dança que estou doida para que volte a São Paulo: “Corpos Velhos - Pra que servem?”. Ainda tem data para a apresentação em Santos e São José dos Campos.
Do release: “Cada corpo traz sua dança possível cheia dos erros necessários ao saber no tempo e no espaço do eterno presente".
💌 E, como não podia deixar de fazer meu próprio marketing, tem a news “Envelhecer". Se você não viu, aqui está ela:
Mas deixo você ir
Não sem antes compartilhar essa lembrança de 2019, a última vez que vi Bon Jovi ao vivo. Estava com as mesmas pessoas que estiveram comigo da primeira vez. Ah, a faixa do cabelo também é a mesma da primeira vez, em 1995. Nós éramos adolescentes e meu pai se incumbiu de nos trazer para São Paulo para o show. Segundo ele, o zumbido no ouvido que o rock em alto e bom som causou perdura até hoje.
Até a próxima!
Um beijo,
Andrea
Andrea Nunes é publicitária de formação, comunicadora do agronegócio de profissão e escritora por paixão. Aqui compartilho crônicas, links, alguns desabafos e, de vez em quando, insights do mundo da comunicação.
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Amei amei amei! Não conhecia quase nada, que história legal. Quero muito assistir o documentário agora. Ps: também adoro always! ♥️
Que delícia de News, agora vou ter que assistir o documentário! hehehe