Minha avó acha que meu pai vai matá-la.
Meu pai e a mãe da minha mãe, sua sogra, sempre se deram muito bem. Ele a fazia rir, de quase perder o fôlego. Tenho a impressão de que ele sempre foi o favorito entre os três genros.
Mas vovó ficou velhinha de tudo. Encurvadinha. Surdinha. Tudo “inha”, fazendo jus ao seu metro e meio de altura.
Entrou nos noventa e poucos anos às vezes aqui, às vezes lá, bem longe. Nessas longas viagens de sua mente, cismou que meu pai queria matá-la.
Quando ele e me minha mãe estão em sua casa, ela o olha de canto de olho, desconfiada. Mal respira. Se ele fala, ela se incomoda. Se remexe inquieta em sua poltrona amarela. Se ele se levanta para pegar um copo d’água na cozinha, ela prende a respiração. Tensa, não consegue conversar.
Papai conta a história com bom humor, mas sei que ele acha isso triste. Mamãe, mais fechada, só o reprime pela narrativa humorística. Não diz mais nada. É seu jeito de passar pelas situações duras.
Em seu silêncio, imagino como deve se sentir ao lado de sua mãe, que às vezes a reconhece, às vezes não. Coloco-me em seu lugar e me sinto desconfortável. Os olhos chegam a se encher de lágrimas e a respiração fica ofegante. Não sei bem se por puro narcisismo de não me conformar em não ser reconhecida pela própria mãe, ou se por este ser um indício de que seu o fim está próximo. Acho que ambos.
Imagino se minha mãe teme ficar igual a mãe dela. Eu temo. É difícil para mim pensar que um dia posso não reconhecer meus filhos.
Na verdade, tenho dificuldade com esse negócio de envelhecer. Fico irritada com meus pais quando eles mostram sinais de envelhecimento. É como se a culpa fosse deles, sabe? Tenho vontade de gritar-lhes “como ousam envelhecer? Por que fazem isso comigo?”. Como se não estivesse acontecendo isso comigo também.
Tenho medo de não me reconhecer no espelho. Às vezes até me assusto com fotos atuais. Acho que a imagem que tenho de mim é a mesma de vinte anos atrás. Não me acostumei com as rugas ao redor dos olhos, as manchas, o olho esquerdo mais caído, como o do meu pai.
Odeio chegar toda semana com uma dor diferente na academia. Uma hora é o joelho, outra às costas, quando não é o pescoço, o cotovelo e até meu dedão do pé, que tem artrose. ARTROSE! Minha avó tinha artrose. Minha. Avó!
Acho que muito dessa dificuldade de aceitar o envelhecimento é que a gente se acostuma a ver só o lado ruim. O papo sobre envelhecimento com lucidez e saúde é muito, muito recente. Não deu tempo ainda do meu cérebro associar que minha mãe não vai necessariamente envelhecer como minha avó e eu não vou envelhecer como ela.
Precisamos falar mais sobre isso.
Coincidentemente, ouvi o episódio do podcast Bom Dia, Obvious dessa semana e, embora o tema fosse distúrbios alimentares, foi abordado o quanto nós não estamos acostumados ao envelhecimento, mesmo que “a gente comece a envelhecer desde o momento que nasce”, palavras (sábias) da convidada do dia, a psicóloga Roberta Tomasini.
Ao ouvir, lembrei-me de mim, pequena, chorando na cama da minha mãe porque não queria fazer aniversário. Queria ficar com aquela idade para sempre. No ano seguinte, eu estaria lá de novo, chorando pelos mesmos motivos. Nos anos subsequentes também. Hoje não choro, mas reflito. Faço conta. Às vezes não acredito na idade que tenho.
Outro dia mesmo, meu pai me perguntou minha idade. 34, disse eu, sem nem pensar. Papai aceitou. Cinco minutos depois lembrei que tenho 43 e corrigi meu erro. Papai riu, mas tenho certeza de que se sentiu mais velho. Acho que nem ele se lembrava que já passo dos 40.
Semana passada foi a vez da minha filha chorar no meu ombro antes de dormir.
- Não quero crescer.
- Por que, filha?
- Porque quero ter sempre o espírito jovem.
- A mamãe tem o espírito jovem?
- Sim.
- Então, tá vendo? Dá pra crescer e continuar criança.
Ela tem apenas 6 anos de idade. SEIS!
Tá vendo como precisamos falar sobre o envelhecimento?
Testemunhar as mudanças físicas e mentais em nossos pais e avós pode ser angustiante, porque criamos resistência em aceitar nossas próximas transformações. Mas é preciso aceitar este curso natural da vida e aprender a envelhecer bem, com saúde física, mental e social. É difícil? Sim, muito. Isso significa passar por mudanças que abalam as estruturas. Os pais que se vão, os filhos que saem de casa, as juntas que rangem, o rosto que enruga, o corpo que cai. É uma jornada de reflexão e aceitação marcada por desafios físicos e emocionais. Mas imagina só se a gente resolve lutar contra tudo isso. É entrar no ringue pra perder no primeiro round (como eu acho que vai acontecer com o Bambam contra o Popó neste fim de semana).
Será que conseguimos encontrar beleza no processo de envelhecimento? Valorizar as experiências e nossa jornada, que é única?
O que vai ser daqui pra frente, eu não sei. Já pensou se cismo que minha nora quer me matar? É capaz de eu matá-la antes de me sentir desconfortável na minha poltrona. Pelo menos acho que conseguiria me safar. Afinal, quem é que vai desconfiar de uma velhinha?
Não aprendi dizer adeus
🎤 Esses dias (até mencionei na edição passada), comecei a ouvir o podcast da Julia Louis-Dreyfus (ex-Seinfield) sobre envelhecimento. Chama-se Wiser Than Me. Nele, Julia dá voz a mulheres maduras justamente para quebrar este estigma de que o envelhecer só traz limitações. Ouvi os episódios com Jane Fonda e com a escritora chilena Isabel Allende. Ambas na casa dos 80 anos. Ambas inspiradoras.
📺 Assisti “Como viver até os 100 - o segredo das Zonas Azuis”, série documental da Netflix, que nos leva aos lugares do mundo onde estão as pessoas mais longevas (as chamadas "blue zones”) e investiga a dieta e o estilo de vida de seus centenários.
💓 Este texto lindo, de chorar, que a Ana Holanda publicou recentemente.
📖 Artigo da Revista Glamour com o título “Por que ainda ensinamos às mulheres jovens que elas devem temer o envelhecimento?”. Engraçado que falei sobre isso essa semana com uma amiga que tem uma filha de 15 anos.
😅 Ainda nessa linha, um meme:
Mas deixo você ir
Com lágrimas no olhar. Foi a primeira vez deste ano que chorei ao escrever. Foi em apenas um parágrafo, mas tive que parar. As lágrimas escorreram. Todas elas. Eram muitas. Então recomecei. Faz parte.
Não é incomum a escrita me tirar algumas lágrimas. Na coletânea de textos que farei parte, junto com outras 21 escritoras, tem um texto que escrevi chorando do começo ao fim. Ainda não consigo encará-lo sem que os olhos marejem. Talvez publicá-lo seja gritar as palavras para o mundo, tirá-las do peito, sabe?
Não vou esconder de você que gosto de chorar escrevendo. Ou rir. É quando sinto o poder que as palavras têm. Quando eu me lembro do quanto gosto de escrever.
Obrigada mais uma vez por me ler por aqui.
Até a próxima!
Andrea
Andrea Nunes é publicitária de formação, comunicadora do agronegócio de profissão e escritora por paixão. Aqui compartilho, entre crônicas e links, alguns insights do mundo da comunicação.
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O que mais me assusta no fato de envelhecer é a certeza da finitude. Não há o que fazer: vamos todos morrer um dia. E, para quem não acredita em nada, como eu, é bem triste saber que "acabou, já era". Uma vida, por mais longeva e saudável, é muito pouco para o tanto de coisas que desejamos viver. Espero que o tempo traga a sabedoria de aceitar que não vai rolar mesmo fazer tudo e que eu fique em paz com as escolhas que fiz. Não dá pra saber...
Você colocou em palavras tudo que sinto sobre ficar velha! É um saco, mas a outra opção continua sendo bem pior! 😘