#92 - Não viva como se fosse morrer amanhã
Simplesmente porque ninguém merece essa pressão
“Viva cada dia como se fosse o último”.
Que frase bosta.
Não aguento mais me cobrar para viver como se meus dias fossem os últimos. Estou ficando completamente, absolutamente, inexplicavelmente neurótica e posso provar.
Domingo passou e eu deixei as crianças na televisão enquanto cochilava. Fiquei muito descansada e altamente culpada por perder um dia inteiro com eles. E se amanhã acontecer alguma coisa e eu não aproveitei os filhos enquanto tive a chance?
Na casa dos meus pais, minha mãe veio até mim e me deu um beijo antes de dormir. Pensamento: será que ela vai morrer?
Despedi-me das crianças antes de uma viagem a trabalho, olhei para seus olhinhos já com saudades da mamãe, que suplicavam pela minha não ida e chorei. E se meu avião cair, o que será deles?
Meu marido teve que alterar a rota na viagem de volta das férias do Japão. Voltamos em vôos separados e eu fiquei encafifada: seria uma premonição?
Cada despedida tem sido a última, com tudo que uma última despedida tem direito: lágrimas, palpitação no peito, pensamentos obscuros sobre o que será da minha vida daqui pra frente e o pior, com muita culpa por não ter vivido meus dias com a intensidade que eles mereciam.
Que inferno.
Eu não consigo mais nem ficar brigada com alguém. Às vezes é importante dar um gelo no marido, por exemplo. Mas sempre faço as pazes antes do que deveria, na força do ódio.
Será que ninguém vai dizer que viver como se fosse morrer amanhã cansa?
E quando morre de verdade alguém então? Sempre aparece aquela pessoa que diz que a vida é um sopro e a gente tem que aproveitar.
Aproveitar como, meu filho? Tenho boleto de escola para pagar!
Que ódio.
É como aquela máxima da dieta: vou aproveitar o fim de semana, me empanturrar de porcarias, porque na segunda-feira começo a dieta. A gente sabe que lá pra quarta-feira já vai ter deslizado umas duas vezes, mas sempre tem um próximo sábado e domingo pra se esbaldar antes de morrer (de novo) na segunda-feira. A rotina do dia a dia? Ah, rotina não é viver intensamente.
Aí a gente pega fila no mercado e sofre de ansiedade porque enquanto está ali, não está vivendo intensamente.
- O que ela fez nas últimas horas de vida?
- Enfrentou com coragem uma longa fila no supermercado.
- Coitada…
- Pois é… O caixa rápido só aceita passar até 15 itens e ela tinha 17.
Cadê o equilíbrio, gente? Na minha nova condição de encanada com a finitude da vida, não o encontro em lugar algum. Tipo, e se eu não fiz o suficiente? E se eu não aproveitei cada momento? E se eu esqueci de pagar a conta de luz?
Mas, tenha calma, Andréa Cristina. Hoje é segunda-feira, dia universal da esperança. Dia que faço a resolução de prestar mais atenção ao momento presente ao invés de tentar viver como se hoje fosse o último dia da minha vida, me frustrar por não conseguir e sofrer amargamente. Saborear as despedidas sem o pesar das últimas vezes. Sair do automático. Diminuir o olhar fixo e o polegar rolante no celular. Ver beleza na rotina (já vejo, você sabe). Ficar satisfeita com as minhas escolhas, especialmente se eu escolhi dormir. Acho que esse pode ser um caminho, o que você acha?
Pronto. Resolução da semana feita. Feliz por tomar essa decisão e por chegar até o fim deste texto. Aproveitei cada palavra como se fosse a última, é verdade, mas me despeço sem nóia.
Até semana que vem!
(Se Deus quiser e Ele há de querer, amém)
Não aprendi dizer adeus
💌 Apareceu pra mim no feed do Substack, a edição de uma newsletter chamada Maybe Baby, de Haley Nahman, sobre os conselhos que os pais recebem para aproveitar os filhos, porque eles crescem. Achei que tem tudo a ver com o tema de hoje.
✈️ Achei importante compartilhar: o que significam todos os barulhos que você ouve no avião. (EN)
😃 Me fez sorrir: 2.800 pessoas cantando “Murder on the Dancefloor”.
Hoje é dia de eclipse solar total nos EUA. Os hotéis de lá estão lotados. Se eu vivesse intensamente, passaria o cartão em 10 vezes e estaria lá também. Até Seth Godin, um dos papas do marketing da atualidade, escreveu sobre isso em seu blog. Achei tão bacana que traduzi pra vocês:
“Até recentemente, um eclipse solar não era um evento turístico. Já foi a causa do verdadeiro pânico. Duas razões que valem a pena considerar:
Foi uma surpresa. Eles não foram previstos na época.
Eles eram inexplicáveis. Ninguém tinha ideia do que estava acontecendo.
Elimine a surpresa e explique as circunstâncias e o pânico começará a desaparecer”.
Mas deixo você ir
Semana passada estava em meio a organização de um dos eventos da firma. O primeiro do ano. É sempre bom começar, superar as dificuldades que apareceram e ver em pé algo que, por meses, existia apenas no planejamento.
Posso dizer que, nesses dias, vivi intensamente. Quando a gente se doa, a intensidade vem de forma natural. Depois fico como se estivesse de ressaca, mas com uma sensação muito boa, de realização, sabe? Aí a gente vê que a intensidade de alguns dias compensa a morosidade de outros e que isso não tem nada a ver com o tal de viver cada dia como se fosse morrer amanhã.
Um beijo,
- Andrea
Andrea Nunes é publicitária de formação, comunicadora do agronegócio de profissão e escritora por paixão. Aqui compartilho crônicas, links, alguns desabafos e, de vez em quando, insights do mundo da comunicação.
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Seus textos estão cada vez melhores! Eu falava mentalmente na minha cabeça: que ódio, antes de vc escrever! Traduziu muito do sentimento de todo mundo nessa “culpa” insuportável de não conseguir viver intensamente! Amei!
Eu ri muito com essa newsletter pelo seguinte motivo: me identifiquei muitoooo hahahahaha. Como é bom saber que essas paranóias também existem na cabeça de outras pessoas 😂