Minha mão suava e seu calor irradiava para o corpo inteiro, subindo e descendo. Em ondas. As vezes empurrava o fundo da garganta, como um choro engasgado. As vezes subia para o fundo dos olhos, segurando as lágrimas. Talvez fosse melhor deixá-las rolarem, mas eu não queria que o rímel escorresse.
Será que é possível que a pele se arrepie por dentro? Não sei, mas essa era a sensação. O coração se expandia e se contraía com força, deixando uma dor apertada a cada batida.
Por que esse nervosismo, Andrea Cristina? Você tem 44 anos, está prestes a assistir um show, como tantos outros. Sim, essa é sua banda favorita. Sim, você vai estar mais perto deles que nunca. E não, você não é mais adolescente.
Então por que é que fecho os olhos e vejo meu quarto de 30 anos atrás? A penteadeira, a cama de solteiro de madeira, a colcha cor-de-rosa. O meu discman com fones de ouvido de hastes finas. Eu jogada ali, ouvindo os CDs e decorando as letras. Sonhando com os amores cantados pelas bandas de rock de antigamente. Imaginando como seria ter um encontro com meu ídolo ou mesmo como seria perfeito dar o meu primeiro beijo ao som de Always.
Eu estou ali e estou aqui. Perdida num espaço de tempo indefinido. Com o coração me martelando e o jeans úmido de servir de toalha para minhas mãos. E olha que nem sou de suar nas mãos.
Será que eu ainda amo a banda tanto assim ou amo a ideia de ela me transportar pra um passado descomplicado e cheio de sonhos?
Entro no recinto chamado Marathon Music Works seguindo a ordem dos números das nossas credenciais, que representam a ordem da compra. Nos entregaram embalagens invioláveis para nossos celulares (sim, um show inteiro sem celular) e fomos alocados em nossos lugares de acordo com a mesma regra. “129” diz a minha credencial. Um número que me coloca na sexta fileira. Estou a mais ou menos oito metros do palco. Doze, se eles tiverem sido generosos com o espaço para as pernas. Doze metros do meu ídolo máximo. Talvez o único que eu ainda admire depois de tantos anos. Com certeza o único com quem sonhei tantas vezes. Doze metros entre Bon Jovi e eu.
A banda entra. Aplausos ecoam. Gritos tomam conta de todo o ambiente. Eu estou lá e não estou. Não parece verdade. Aplaudo, danço e grito como se não fosse eu. Quem está no meu corpo?, penso ao me observar de longe.
Três músicas se passam e eu ainda estou neste estado. Um transe? Não sei. A quarta música começa. É “you give love a bad name”, daquela época dos sonhos. A ficha cai: são eles mesmo!
Meu corpo começa a tomar outra forma. Estou leve. Meus pés flutuam e eu pulo sem nem sentir o peso das botas cowboy. Sem medo de o tomara que caia cair. Quer dizer, com um pouco de medo disso, sim.
It's my life é a primeira que me faz tremer. Sim, essa é a minha vida e é agora ou nunca, porque eu não vou viver para sempre. Custou cara essa experiência? Sim, um rim, mas valeu cada centavo. Pensei na noite anterior, na festa privada no JBJ, bar do Jon Bon Jovi no centro de Nashville. Pensei nas pessoas com quem conversei, nas histórias que ouvi, nos diversos caminhos que levaram essas trezentas pessoas para este show tão intimista. Temos vidas tão distintas, fisicamente distantes, mas com tanto em comum. Pensei no sentimento de culpa por deixar meus filhos no Brasil. Que besteira. Também estava lá por eles. De alguma maneira, eles souberam que não é só da boca para fora o tanto que eu valorizo o sonhar. Com certeza sabem que vou entender e apoiá-los na busca dos seus próprios sonhos.
De repente, make a memory. Linda, mas não é minha música favorita. É de um álbum que eu pouco acompanhei, para falar a verdade. Não sei cantar inteira, faço confusão de palavras. Mas foi ela que me tirou lágrimas. Não lágrimas chiques, que escorrem lentas pelas bochechas. Lágrimas copiosas, dessas que deixam a gente com a cara meio deformada. Teve soluços e tudo o mais. O japonês da minha frente, que segurava dois leques com estampas das bandeiras do Japão e EUA, se sentiu obrigado a dar as costas para o show para me abanar.
You wanna make a memory?
Mas não fui a única a chorar. Em Living on a Prayer, Jon Bon Jovi atingiu as notas altas que já não atingia com perfeição por conta de uma atrofia nas cordas vocais. Em 2022 submeteu-se a uma cirurgia sem saber se voltaria a cantar. Este show, do dia 14 de junho de 2025 foi o primeiro após o procedimento e ele estava lá, alcançando as notas de Prayer pela primeira vez em muito tempo.
Foi ovacionado. Eram 300 pessoas, mais a família, mais o staff, todos vibrando. He did it. Ele conseguiu. E, ao conseguir, mostrou-nos toda a sua vulnerabilidade ao cair no choro. O choro que estava engasgado. O choro de quem conhece as limitações que vêm com a idade. O choro de quem vê o resultado de um trabalho duro, focado e obstinado para ser o melhor dentro de suas próprias restrições. O choro de quem diz obrigado para a plateia, para os fãs e para a banda, por estarem juntos, torcendo por ele. Por fim, o choro que aproxima o ídolo do fã. Que mostra que ele não é mais nem menos que qualquer pessoa ali no recinto. Que ali, na nossa frente, estava um ser humano com suas lutas particulares e inseguranças.
A primeira parte do show terminou com Only Rule, que é uma música que, pra mim, não diz muita coisa. Se acabasse ali, eu ficaria um pouco desapontada. Mas Jon Bon Jovi resolveu responder perguntas da plateia, o que eu achei ótimo, mas arriscado, porque sempre tem quem só quer fazer discurso e quem não presta atenção nas respostas anteriores, só na sua própria pergunta. E não é que aconteceu bem no começo?
Primeira pergunta: vocês pretendem voltar a fazer turnês?
Ele respondeu que querem muito, mas tudo dependia de como as coisas seriam naquela apresentação.
Segunda pergunta: você pretende tocar no Canadá em breve?
Ele respondeu que essa era praticamente a mesma pergunta da primeira.
E eu fiquei, sinceramente, sem saber porque as pessoas levantam a mão para passar vergonha. Eu ergui a mão, mas ninguém me deu o microfone. Eu perguntaria sobre o que ele estava sentindo naquele momento.
Fim das perguntas. Uma pena, pois o papo estava bom, mas uma boa ideia, porque eu já estava ficando sem circulação na mão erguida ao teto. E agora? Jon olha para a banda e propõe: vamos tocar mais? Eu consigo. E vira-se para a plateia: o que vocês querem que a gente toque?
Mil pedidos, óbvio. Achei bacana que eles tocavam uma, olhavam uns para os outros e pra plateia antes de decidir o que viria na sequência. Depois da terceira, em um momento de silêncio da plateia (existiram alguns, plateia pequena e majoritariamente americana, sabe?), gritei: I'll be there for you. Jon, o rebelde, tocou Blood on Blood. Olhei para o Paulo e disse que tinha certeza que ele tinha me ouvido, mas não deveria tocar. Além de ser uma música muito antiga, tinha gente lá comigo que nunca tinha ouvido essa música ao vivo. Mas Blood on Blood acabou e eu o ouvi dizendo: “vou tocar I'll be there for you".
Oh. My. God.
Será que ouvi direito? Jon olha para o pianista e pergunta em tom de brincadeira: “você se lembra da letra, David?”. A música começa e eu grito: I remember (eu lembro)!
Entrei num modo de êxtase que não me deixava ficar quieta. Abracei o Paulo, abracei a menina do meu lado, que eu nunca tinha visto na vida, saí do meu lugar e fui abraçar uma argentina que eu conheci na véspera e, nesse vai e vem, cheguei até a frente do palco. Um metro de distância, mas as mulheres ali da frente me mandaram voltar para o meu lugar. Voltei arrependida. Devia ter feito como uma menina da Romênia me disse: fingir que não falava inglês e ficado lá. Mas em meio a fãs muito mais fãs do que eu, fiquei com medo de apanhar.
E assim, com a música que eu pedi, a banda encerrou o show mais legal que já fui na vida. Legal por ser a minha banda favorita, por eu estar muito, muito perto, como nunca tinha estado antes, por ser algo tão intimista, para tão poucas pessoas, por ele ter tocado a música que eu pedi, mas, principalmente, por estar presente em um momento tão único para a banda. Poder testemunhar sua volta aos palcos, a vulnerabilidade, a amizade e sentir a imensa alegria que os músicos tinham ao tocar. Foi algo inesquecível.
Voltamos exaustos e realizados para o hotel com o ônibus da Runaway Tour, empresa organizadora do evento, mas alguma coisa estava faltando. Cheguei tão perto de Jon Bon Jovi e agora iria embora de lá sem que ele ao menos soubesse da minha existência?
» Continua na próxima edição…
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Vejo você na semana que vem.
Um beijo,
Andrea
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claro que ele soube da sua existência. cantou até a música que você pediu! 😊
quando li o título achei que fosse do filme adô brasileiro… hahaha foi uma grata surpresa saber que era sobre a triunfante - pelo seu relato - volta aos palcos do nosso querido Jon Bon Jovi. também um dos meus artistas favoritos e lendo seu texto também me transportei no tempo. curiosa pra segunda parte 😉