Se vira nos enta
Quarentei. Quarentei na quarentena e não aguentei não fazer o trocadilho. Mas a quarentena marcou a minha entrada nos primeiros “entas” da minha vida. Daqui pra frente só saio dessa fase após os 100.
Muito prazer, meu nome é Andrea. Andrea Cristina, embora Andrea não combine com Cristina. Interiorana da província de Jau, mas já apaulistanada por viver em São Paulo mais da metade da minha vida.
Era uma criança curiosa e criativa. Encenava, criava histórias em quadrinhos, queria ser roteirista do Maurício de Souza ou paleontóloga para saber mais sobre aqueles dinossauros que vinham nos “cards” do chocolate Surpresa. Quem se lembra disso está provavelmente entrando nos “enta” como eu. Toca aqui, estamos juntos.
Fiz anos de ballet clássico e sapateado, sonhei em ser atriz da Broadway, mas nunca soube cantar. Desenhava o tempo todo. Adoro arte. Museus e galerias me comovem.
Talvez por isso eu tenha virado publicitária. Pois é, virei publicitária. Na verdade, queria ser artista, atriz, dançar na Broadway, essas coisas, mas fui influenciada pelo tal do “artista não ganha dinheiro. Vai viver de vento?” ...
Quando a gente vira adulto, a gente sente uma pressão muito grande para ganhar nossa independência financeira. Pagar as nossas contas, não dar satisfação a ninguém. Não nego, isso faz um bem danado.
Mas entrei no looping da vida. Trabalho, marido, filho, casa. Trabalho, marido, filho, casa. Trabalho, marido, filho casa. Parece que é pouco, mas o tempo me consumiu e eu já não sabia me definir por adjetivos, só por substantivos: mãe, esposa, publicitária, gerente de marketing, dona de casa.
Aí veio a pandemia. Meu trabalho com eventos minguou. Fiquei meses na casa dos meus pais que não sabiam como lidar com a filha adulta, com os dois netos e o genro. A casa era só deles há anos e, de repente, estava lotada. Eu não sabia lidar com eles não sabendo lidar e com a ansiedade que tomou conta do meu pai, que é meu sócio, ao ver as receitas da empresa sumirem e sem saber que decisão tomar. Fechamos ou nos reinventamos? Como se reinventar? Quem somos nós?
Crise de identidade no trabalho!
Resolvi voltar para São Paulo e chorei na minha ida. Estava cansada, mas adorava ser filha novamente e ter um colo ali disponível.
Um mês depois, tive um burnout. Foi sério e foi feio.
Repensei muita coisa. Resolvi colocar na agenda um tempo para fazer alguma coisa pra mim. Voltei a ler muito, hábito que eu tinha praticamente abandonado na minha fase adulta.
Junto com a leitura, me veio o ímpeto de voltar a escrever. Criei um perfil no Instagram para poder escrever e, quem sabe, influenciar as pessoas a pensarem sobre aspectos do marketing ou do comportamento humano que se misturam ao nosso cotidiano.
Para buscar referências, voltei a ter bastante contato com as artes. Comecei a seguir diversos artistas e conhecer a arte digital. Como tenho um iPad, baixei um aplicativo de desenho e voltei a fazer meus rascunhos. Eu faço um, meus filhos fazem 856, aí eu faço outro. Vai do jeito que dá. Quando a pandemia passar, quero voltar a dançar. Minha veia amante de artes está querendo se manifestar de qualquer jeito.
Isso não quer dizer que abandonei meu trabalho, mas exercitar meu lado artístico me faz ser mais feliz no meu trabalho e na minha vida pessoal.
Nunca é tarde para se (re)encontrar.
Em um mundo de tantos estímulos, tanta informação, sentir-se perdido é normal. É quase que pré-requisito dos anos 2020 não saber distinguir as máscaras das redes sociais às verdades da alma.
Por isso que, diante dessa pandemia que estamos enfrentando e com a necessidade de nos protegermos, o melhor conselho que posso lhe dar é: não vá pra fora, vá para dentro de você.