Andrea, me conta: como você consegue?
Ouço tanto, de tanta gente, que eu faço tanta coisa.
“Olha só, você é mãe de dois, trabalha, faz sapateado, joga beach tenis, escreve um blog, pratica yoga, lê e vê série. Quero ser igual".
Não queira, minha amiga. A não ser que você esteja disposta a deixar algo de lado.
Não vejo meus filhos depois da aula às quintas, pra poder jogar.
Não fico batendo papo com o marido, pra poder ver série.
Não vejo todas as séries que gostaria, pra poder ler.
Não leio o suficiente porque tenho ensaio de sapateado.
Não sou boa yoguini, porque não pratico.
Não sou atleta porque tenho que trabalhar.
Não sou uma mãe tão disposta porque estou sempre cansada.
Não começo todos os projetos que eu gostaria porque eu continuo querendo jogar, praticar, dançar, ler, assistir, manter meu casamento e impedir que meus filhos se esqueçam do meu rosto.
Mas então vale a pena?
Normalmente sim, porque tudo o que eu faço me dá prazer. De vez em quando eu piro. Quando piro, paro. Quando paro, me cobro por estar parada, aí eu começo tudo de novo.
Já tive um burnout em 2020. Em 2021, já tive outra crise de ansiedade. Aliás, foi hoje, há exatamente 3 horas. Deu ruim no trabalho e, por trabalhar com a família, deu ruim com a família e eu só consegui me sentar e chorar. Aquele choro gritado, sabe? Não o choro baixinho das mães exaustas debaixo do chuveiro, o choro de desespero mesmo.
“Vai dar tudo certo", disse o marido.
”Vai pra academia desestressar", disse a irmã.
”Para de besteira, Andrea", disse o pai.
Mas ninguém entende. Eu não estava desesperada porque deu ruim no trabalho, ou por achar que as coisas não se resolveriam. Tampouco conseguia me mexer pra poder sequer pensar em academia e só em ler aquelas palavras - “deixa de besteira” - na mensagem do WhatsApp, meu corpo ficou ainda mais rijo.
“Calma. Você já teve isso. Pegue seu ansiolítico", uma voz me falou e foi prontamente obedecida.
Poucas horas depois, estou aqui escrevendo. Terapia? Pode ser mesmo. Prefiro escrever a pensar em alguma linha do meu “to do".
Mas então, vale a pena mesmo?
Deixa eu explicar. Quando eu disse que sim porque tudo o que você se referiu (estar com os filhos, ler, jogar, dançar e etc), pode ser remanejado. Na maior parte das vezes eu fico em paz com as minhas escolhas, com o abrir mão de algo em prol de outra coisa.
A verdade é que estou estafada assim como muita gente também está. Pudera, 2020 foi duro, um soco no estômago, mas 2021 foi exaustivo. Retomar a vida sem realmente retomar. Celebrar a vacina e ainda perder gente querida. Mandar as crianças pra escola e, a cada resfriado, deixá-las em casa por mais uma semana. Jogar beach tenis pra pisar na areia, mas pisar em ovos o tempo todo porque as pessoas estão mais sensíveis. Fazer yoga pra acalmar a alma e ver provocação em cima de provocação nas redes sociais. Dançar sapateado por amor e não se apresentar pra não assumir mais um compromisso. Dispensar um convite pra jantar com as amigas e sentir FOMO* antes da hora.
Sabe o que mais que tem me deixado sem energia?
Esse monte de propaganda que a gente recebe em todos os lugares: whatsapp, email, anúncios patrocinados em qualquer ambiente online…
Esse tanto de informação que a gente recebe. O tanto que newsletter que eu não tenho tempo de ler, as revistas que chegam em casa e ficam fechadas e até os diversos comunicados da escola.
Ter um monte de grupo de WhatsApp apitando o tempo todo. Gente se chamando de amiga o tempo todo sem ter o mínimo de intimidade (já estou saindo e arquivando vários).
Fingir pra se enturmar, que é isso que a gente faz nas redes sociais (impossível não pintar a vida cor de rosa).
Cansa até ser empático demais. Eu canso de ter meu coração partido todas as vezes que vou à farmácia e uma mãe me pede, na porta, uma lata de leite. Ou todas as vezes que vejo uma criancinha com a mãe ou pai pedindo comida no farol.
Como eu consigo mesmo?
Eu não consigo. Mas eu prefiro ficar exausta em fazer várias coisas que me dão prazer e vamos que vamos. Aliás, quando eu falava que não aguentava mais nem uma repetição do exercício da musculação, um ex-personal dizia: “vai do jeito que dá".
E assim vamos indo do jeito que dá, com placa pro bruxismo e ansiolíticos na bolsa.
AMEI seu texto!!! Super real!!! Parabéns!!!