“Estou voltando, mas ele continua lá”.
Seus olhos ficaram submersos. Quase transbordaram. Talvez até tenham transbordado, mas não vi. Ela se agachou para falar com o gato, que viajava tranquilo em sua maleta, debaixo da poltrona da frente, na fileira 6 do vôo de Congonhas para Ribeirão Preto.
“Ele está cansado”, disse referindo-se ao bichano. “Estamos viajando desde as duas da manhã”.
Vinha de Roraima. Morou por lá nos últimos três anos. Foram, ela, o marido e a filha, atrás de uma oportunidade oferecida a ele, mas ela não se adaptou. Pegou suas coisas, seu gato e fez seu retorno ao interior de São Paulo, onde tem família.
Lá sentia-se estrangeira dentro do Brasil. Falava uma linguagem desconhecida do povo local. Seus costumes pareciam fora de contexto. Sua comida favorita perdia o gosto longe da mesa que ela gostaria de se sentar.
A oportunidade, por fim, não compensou a mudança. Em Roraima, segundo ela, tudo era caro. “Logística, né? As coisas custam a chegar”. Aluguel caro, comida cara e pessoas que lhe viravam a cara. Não deu. Não compensava a solidão. Não compensava a falta de ar que lhe encontrava, noite após noite, atrapalhando seu sono mais do que calor úmido.
Observei-a com atenção. Seus ombros estavam erguidos, quase grudados à orelha e pareciam não conseguir relaxar. Permaneciam rígidos, segurando o corpo feito cabide, impedindo-o de desabar.
Havia deixado o marido para trás. Ele precisava trabalhar e não havia ainda outra oportunidade no interior. Isso mexia com ela, dava pra ver. Mas os ombros impediam-na de cair.
O avião chacoalhou, avisando que entrávamos na massa de ar quente dos céus Ribeirao-pretanos, mas ela pareceu não perceber. Olhou pela janela, fungou e virou-se novamente para mim.
“Me apaixonei pelo gato no momento que o vi”.
Contou-me a história da adoção do bichinho. De como o marido foi carinhoso quando ela disse que não tinha coragem de deixar a irmã do animal pra trás. Levaram os dois.
“Ah, tem outro?” Perguntei. Sim, ele estava com a filha, na fileira ao lado.
Olhei para onde estava a menina, uma adolescente sonolenta, com a mesma bolsa para animaizinhos a seus pés.
“E por que não se sentaram juntas?”
Descobri que, quando se viaja com animais de estimação, é necessário ter uma cadeira vazia ao lado, pois, em caso de despressurização da cabine, o animal também precisaria utilizar uma máscara de oxigênio. Entendi. Era preciso salvar o gato. Assim como quando ficou sem ar, juntou suas coisas e salvou a si mesma.
Não aprendi dizer adeus
Assisti, por recomendação de uma amiga, a série The New Look, na Apple+, que conta a história de duas das grandes maisons de alta costura francesas, na época da ocupação nazista em Paris. Achei muito interessante saber que a irmã de Christian Dior foi parte da resistência francesa, capturada, torturada e levada a um campo de concentração. Não se acomodou no apartamento luxuoso do irmão e foi à luta. Deixou o irmão doido da vida. O homem até místico virou.
Chanel, por sua vez, era muito duas caras. Apoiava a França quando bem entendia e os nazistas quando convinha. Mais falsa que uma nota de R$3, além de esnobe. Aquele tipo de gente “você sabe quem sou eu” pra lá e pra cá, sabe?
Não gostei de duas coisas:
Chanel ficou sem um desfecho.
A série é em inglês. Eles falam inglês uns com os outros. Inglês com sotaque francês. Gente, sério? Queria saber a opinião dos franceses a respeito. Na França a gente tem que pedir “one crepe s’il vous plaît” pra não morrer com uma olhada fuzilante seguido de uma bufada de ar. Tudo bem que atores como John Malkovich e Ben Mendelsohn não poderiam fazer parte do elenco. Mesmo assim, achei esquisito.
Só sei que tem tanto ti-ti-ti nesse mundo da alta costura, que já quero assistir:
Halston na Netflix
Kaiser Karl, que vai estrear na Disney+ em 7 de junho
Tem mais algum pra me recomendar?
Mas deixo você ir
Entre escrever uma crônica e assistir uma série, tenho focado bastante no trabalho. Ontem fiquei sentada por quatro horas sem me levantar. Quando resolvi sair do lugar, as costas travaram.
Sei que errei. Sei que tenho que fazer pausas, mas estava tãããão concentrada, que não vi o tempo passar. Só sei que - e é essa a observação que eu quero deixar aqui - se fosse aos 20 e poucos anos, eu diria que a bunda ficou quadrada. Aos 40, preciso marcar um shiatsu, tomar antiinflamatório e colocar uns emplastros.
Por isso, deixo você ir, sem lágrimas no olhar, para que nós (e e você) possamos nos levantar um pouco.
Até semana que vem!
- Andrea
Andrea Nunes é publicitária de formação, comunicadora do agronegócio de profissão e escritora por paixão. Aqui compartilho crônicas, links, alguns desabafos e, de vez em quando, insights do mundo da comunicação.
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não seria preciso deixar mais poltronas livres para o gato e salvar suas sete vidas?
Texto ótimo 👏🏼👏🏼👏🏼
Só fiquei intrigada - e se os bebês de colo precisarem de máscara no voo? 😳😱