Há uns 12 anos, comprei um ingresso para o Camarote Bar Brahma no Sambódromo em São Paulo. Até então, a imagem que eu tinha do camarote era aquilo que eu via nas revistas Caras do salão de cabeleireiro. Muita gente famosa, abadás customizados por estilistas, bons drinks e todo aquele desfile maravilhoso na avenida.
Cheguei na concentração do Bar Brahma ali perto do Anhembi. Open bar de chopp e petiscos. Customização de abadás. Maquiagem. Fila para absolutamente tudo.
Um monte de gente se matando de comer coxinha e bebendo cerveja até resolver pegar um ônibus até a entrada do camarote na avenida.
Fiz o mesmo. Entrei no camarote abafando, com meu abadá vermelho, recortado por mim mesma. Backdrop posicionado bem na entrada para todo mundo se postar lá, tirar fotos e se exibir nas redes sociais.
Entramos um pouco mais.
O negócio era enorme. Tinha um palco lá no fundo, um mar de gente, uns estandes de restaurantes da cidade, com comida japonesa, pizza, hambúrguer e frango frito e uma varanda para ver o desfile.
Queria ver o desfile. Bora para a varanda e bora descobrir que a gente tem uma visão quase térrea, em meio a muita gente. Mal consegui ver as passistas. Os carros alegóricos, só olhando para cima. Quem já viu o desfile na arquibancada (eu já), sabe que a melhor visão é de cima para baixo, não o contrário. É o que a televisão mostra, não é? Então, existe um motivo para isso. Mas eu estava no chão. Vi, na verdade, plumas e penas dançando pra lá e pra cá, por cima de muitas cabeças.
Nenhum famoso. Nenhuma Revista Caras. Nenhum glamour. E ainda roubaram o celular da minha irmã. O Camarote Bar Brahma, descobri, era uma balada muito cheia no meio de um desfile, não um lugar privilegiado para assisti-lo.
Uns 7 ou 8 anos se passaram e ganhamos um convite para o Bar Brahma novamente. Eu já sabia que desfile eu não veria direito, mas naquela noite tinha show do Seu Jorge. Eu não recuso o Seu Jorge.
Recebemos os ingressos e estava lá: área VIP. Opa! Agora tudo mudou. Vou ver o desfile numa parte mais alta. Com certeza a visão seria privilegiada. Ainda por cima, faria parte do glamour a la Revista Caras.
Lá fomos nós. A estrutura para o “esquenta” mudou bastante. Agora, dentro do pavilhão do Anhembi, está mais organizado. Maior, com mais cabeleireiros e maquiadores, mais estações de customização e uma oferta maior de comida. Cheio, mas não muvucado, sabe? Ninguém mais se acotovela para pegar coxinha.
Comemos, bebemos, customizamos e lá fomos nós para o camarote. Área VIP, meu amor, dá licença.
Realmente a área VIP nos dá mais espaço para respirar. Não é tão cheia. Tem drinks assinados por um barman famoso. Você tem uma visão do desfile um pouco mais de cima, mas com uma limitação do teto, porque você agora não está na varanda e sim numa espécie de janelão.
Não entendi. Não é isso que aparece na TV, nas revistas e nas postagens de influenciadoras. Cadê o desfile com visão privilegiada? Cadê a Gisele Bundchen? A Sabrina Sato?
Descobri que existe uma área VIP da VIP. Um lugar de privilégios. De convidados. Um Olimpo.
Mas mesmo lá (é só ver as postagens do Camarote n1 do Victor Oliva), tá todo mundo meio amontoado. Até a Silvia Bras, que estava lindamente montada, aparece ali, no cantinho. Dá uma dançadinha, manda um beijo para a câmera, como se estivesse curtindo muito. Mas achei desconfortável, sei lá… Fiquei claustrofóbica ao assistir.
Desde então, comecei a pensar nesse negócio de VIP como uma ilusão. Vendem-nos uma coisa, mas na verdade só querem paguemos mais caro. Ou que amemos para sempre as marcas que nos proporcionaram um ou outro benefício a mais do que a maior parte do público tem.
Até evento corporativo agora tem credencial VIP. Funciona assim: você paga mais, tem acesso a uns banheiros menos cheios, lugares na parte da frente da plenária e uma sacola com brindes. Mas quem é VIP de verdade é levado aos bastidores. Consegue acessos. Faz networking, como o mundo corporativo gosta de dizer.
Na praia da moda você é VIP se pagar pela chaise na areia daquele beach club bacana. Isso vai lhe dar o direito de se sentar em uma espécie de cama de praia e tirar foto fazendo bico pro Instagram. O mar é o mesmo de quem levou a cadeira de casa, mas você é VIP.
No show daquele artista internacional, você paga a mais para ter um lugar privilegiado na pista premium. Sim, você está um pouco mais à frente, mas se quiser ver seu ídolo de perto mesmo, ali no alambrado, vai ter que dormir na fila. Mas calma, que ainda existe ainda o VIP do VIP, que é aquela pessoa que ganha o ingresso pra ficar ali, antes do alambrado, no backstage ou no camarote de alguma marca patrocinadora. Ninguém vai lhe contar que, normalmente, a visão do camarote é ruim, mas não importa. Você é VIP e tem cerveja de graça.
No aeroporto você chega com seu cartão black na sala VIP. Entra com toda pompa para descobrir que a tal sala está abarrotada de gente que se acotovela para comer coxinha (sempre ela) do buffet self-service. Não tem lugar para sentar e você acaba equilibrando seu pratinho no colo, sentado em um banco mais desconfortável que a cadeira próxima ao portão de embarque. Pelo menos você não pagou R$20 pela coxinha no aeroporto, né? Ah, e é VIP.
Mas o que é ser VIP?
Nas décadas de 20 e 30, o termo VIP, very important person, referia-se aos clientes de uma determinada loja ou banco, que possuíam altos limites financeiros.
Hoje, ser VIP é ter acesso. Ser servido de forma personalizada. Mas, mais que isso, a meu ver, ser VIP é um status atribuído e aspiracional. A influenciadora é VIP do VIP no camarote porque alguém a colocou nessa posição e é lá, naquele lugar, que seus seguidores sonham um dia em chegar.
Não sei se você assistiu The Crown mas, pensando sobre este tema, me veio na cabeça a história de Mohamed Fayed, pai de Dodi Fayed, o último namorado da princesa Diana. O empresário egípcio, embora bilionário, tenta de tudo para se aproximar da realeza britânica e ser considerando cidadão do Reino Unido. Chegou a comprar a Harrods. Apresentou seu filho à princesa. E continuou sendo tratado com desdém pelos nobres e, até sua morte, não conseguiu o status VIP que tanto buscava.
É por isso que hoje eu vejo o VIP como uma ilusão. Ele cria uma falsa sensação de importância e valor pessoal. As pessoas acabam baseando sua autoestima em fatores externos, superficiais e não duradouro. Se você tira isso delas, o que sobra? O VIP é instável. Hoje você é VIP e amanhã você não é mais. Igual ex-BBB.
O problema é que nessa ilusão de ser importante, nessa busca por status, por ser melhor que o outro, onde fica o essencial da vida? As relações profundas e verdadeiras e não as interesseiras? O amor-próprio? Se eu não tenho os acessos, quem sou eu? Eu sou do povo, eu sou um Zé Ninguém.
Não vou iludir ninguém. É claro que eu gosto de um VIP, mesmo que seja para não pagar a coxinha. Mas gosto mais do status que tenho em outras esferas da minha vida. Na casa dos meus pais, por exemplo, sou VIP do VIP. Sempre tem minha comida favorita, mamãe entretendo as crianças enquanto durmo à tarde (à tarde, olha que luxo!) e, uns minutos antes de dormir, fico no lugar mais privilegiado da casa: o meio da cama dos meus pais, como antigamente. Sinto-me especial. Uma “very important person” de fato. Genuína. Sem a mínima vantagem social, mas de um status quo duradouro, estável e com o máximo de amor.
E o marketing, Andrea Cristina?
Não preciso nem me aprofundar, né? Qualquer marca que faça com que você se sinta especial, conquista o seu coração.
Mas tem uma tática de copywriting para lançamentos (especialmente de infoprodutos) que eu simplesmente DETESTO, que é o “entre para o grupo VIP no WhatsApp”.
Aí você entra.
Depois disso, é só “compre meu curso, compre meu curso, compre meu curso”, sempre utilizando-se de gatilhos:
Avisando pra vocês antes de abrir as vagas para o público em geral.
Desconto especial só para quem faz parte do grupo
Faltam só 5 vagas e eu estou avisando aqui primeiro.
DE-TES-TO.
Baita encheção de saco. Todo mundo faz igual. Aí quando você vê, você se meteu em dez grupos VIP esperando ser uma coisa e é outra. Ninguém lhe ensina nada, só enchem seu saco pra você comprar o (info)produto.
Às vezes lhe convidam para uma aula aberta, que te ensina uma coisa ou outra e olhe lá, mas que serve para - adivinhe - dizer que para você, que é um ser especial, abençoado, sortudo e de luz, tem a honra de saber antes de todo mundo que vem aí a segunda parte do curso. E se tem alguém aí que não faz parte do grupo VIP no WhatsApp, entre agora e receba informações privilegiadas.
Não estou dizendo que não funciona. Mas não aguento.
Não aprendi dizer adeus
🍿 Assisti e amei: Os irmãos Sun, na Netflix. Humor e drama sutis, na medida certa para o entretenimento. Bastante luta no estilo Jackie Chan também. Pra quem gosta, um prato cheio.
📺 Estou assistindo e amando: A Morte Entre Outros Mistérios, na Star+. Mais ou menos um White Lotus sem tanta profundidade, mas um bom entretenimento.
📚 Estou lendo e com dificuldade: É a Ales, do ganhador do prêmio Nobel Jon Fosse. O livro tem poucos pontos, muitas vírgulas, como num fluxo de consciência ininterrupto. É um livro curto, mas estou demorando para ler porque, cada vez que paro, tenho que voltar e relembrar o que a personagem estava pensando antes.
🎧Ouvi e indico: o podcast Wiser Than Me, que tem Julia Louis-Dreyfus (ex-Seinfield) como anfitriã. O show tem o objetivo de dar voz à mulheres mais velhas e aprender com suas experiências de vida. Segue aqui o link do primeiro episódio com ninguém menos que Jane Fonda.
Mas deixo você ir
Obrigada pela companhia, mais uma vez. Você aqui é VIP do VIP.
Até a próxima,
- Andrea
Andrea Nunes é publicitária de formação, comunicadora do agronegócio de profissão e escritora por paixão. Aqui compartilho, entre crônicas e links, alguns insights do mundo da comunicação.
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Amei a reflexão! O conceito do VIP fica menos VIP a cada temporada. Tenho pensado que, hoje, VIP mesmo é não precisar parecer vip o tempo todo! Viva o conceito de NIP (not important person) que li décadas atrás numa crônica do Leo Jaime e nunca mais esqueci.
a cafonice do vip já começa na adoção do termo em inglês… 😂😂😂