Tenho um batatão.
Não sou produtora de batatas, mas minha batata da perna ganharia um prêmio em alguma feira agrícola americana.
Comprar botas de cano alto sempre foi um perrengue pra mim. A vendedora desce a loja inteira lá do estoque e tenta encaixar minha batata dentro do couro pouco maleável.
- Essa aqui tem esse elástico na lateral, vai dar certo!
Olho para três míseras tirinhas elásticas e quase sinto pena, imaginando-as esgarçadas, gritando para não arrebentarem. Como sou uma pessoa esperançosa, acredito na promessa que me fazem e lá vou eu provar o calçado de inverno.
Empurra a batata pra dentro, prende o ar, embora essa parte da perna não tenha nada a ver com os pulmões e puxa o zíper. 'Taqueopariu, beliscou minha batata! Não deu também, moça.
Só não desisto desta hercúlea tarefa porque acho bota e inverno uma combinação muito chique. Quanto mais alta a bota, mais chique. Se couber dentro de um jeans bem skinny então, fica perfeito. Mesmo que prenda a minha circulação. Não vou morrer se usá-las por umas duas horas num evento SSS (surgir, sorrir e sumir).
Por isso, sempre que encontro uma bota que me caiba, passo o cartão e compro a minha idealização da moda inverno em dez suaves parcelas.
- Andrea, essa bota tá esquisita…
- Foi a que coube.
Hoje cedo, uma amiga que poderia competir comigo nas premiações das batatas gigantes das feiras agrícolas americanas, estava falando do desconforto que sentiu na última viagem de férias, com as botas de ski.
Eu a entendo. Não sou esquiadora, embora já tenha tido o privilégio de esquiar. Lembro-me lembro bem de passar pela mesma situação. A dificuldade em alugar uma bota que coubesse (comprar a sua própria é pros habitués, meu amor), fechar a bota que coube, fechá-la novamente nos dias seguintes (porque a batata da perna nunca está igual) e rezar para que ela não deixe meus dedos formigando em apenas 10 minutos de prática.
Todas as manhãs era como se eu fizesse um aquecimento antes de ir pras pistas. O corpo suava e eu, que já estava pronta pra sair, começava a tirar a pescoceira, o gorro e abrir o casaco. Que calor!
Aliás, esse negócio de ski exige muita preparação. Vestimentas em camadas, botas pesadas que nos deixam com pouca mobilidade, luvas, óculos, pescoceira, gorro… Toda a proteção para temperaturas abaixo de zero e pra gente suar muito na neve. Uma verdadeira função! E pensar que eu sempre achei, na época do ballet clássico, que colocar meia calça, colant, sapatilha e fazer um coque era difícil…
Mesmo assim, quando esquiei pela primeira vez, liguei para o meu pai e disse que havia achado meu esporte, finalmente.
- Que bom filha. Tem em toda esquina e é bem barato.
Mas, na minha segunda viagem, depois de passar um tempo maior esquiando (maior = uma semana contra três dias da vez anterior), a tal função começou a pesar. A dar preguiça. Cheguei a sonhar com vários pares de Havaianas.
Então, no último dia dessa viagem decidi que não acompanharia meu grupo. Cansei, disse. Não faço mais questão. Estou satisfeita. Devolvi o equipamento e me senti livre por uns 30 minutos. Não tinha nada pra fazer.
Olhei pra montanha, vi aquele povo todo subindo de lift e fiquei doida pra estar lá. Não queria descer esquiando. Queria passear de lift. Admirar a vista. Sentir o frio na barriga ao saltar. Olhar para o vale longamente antes de descer. Ouvir o silêncio ao subir.
Ah, o silêncio…
Não sei descrever o silêncio de uma montanha. Ele tem um som especial. Um vazio que preenche. Que enche a alma. Que nos faz companhia em meio a uma imensidão de tons de brancos que eu, nascida e criada no país tropical, não cansava de reparar.
Estar no meio do nada e ouvir o silêncio era o ponto alto dos meus dias de ski. Estava claro! Ao descobrir isso, calcei minhas botas de neve de cano bem baixo, peguei meu casacão e andei em direção ao lift. Era a única sem skis. Subi rumo a montanha que contava com um restaurante no topo. Parei lá, peguei uma taça de vinho, sentei-me na varanda e contemplei.
Não sei quanto tempo fiquei lá. Quando percebi, já era quase hora de encontrar meu grupo para o almoço. Peguei o lift de volta. Olhei ao redor e chorei. Percebi o quanto a gente precisa do silêncio para se ouvir, do branco para prestar atenção nas cores e da imensidão para achar o centro.
Eu ali tive a certeza de que sim, havia encontrado o meu esporte predileto e que, ao contrário do que eu pensava, não exige que eu manipule, amasse ou comprima meu batatão:
Ouvir o silêncio era o esporte que eu buscava.
E o marketing, Andrea Cristina?
Bem, deixo aqui pra vocês a campanha da Doritos Silent, o primeiro salgadinho com inteligência artificial do mundo:
Na verdade, a marca Doritos criou um software focado na comunidade gamer, que usa a inteligência artificial para eliminar o som do crunch durante jogos online.
Por que isso?
Alguns motivos:
🎯 O primeiro é a grande conexão que o público gamer tem com a marca.
🎯 Segundo é a atenção às pesquisas realizadas com essa audiência: 46% dos gamers no Reino Unido e 30% nos EUA são distraídos pelo som de outras pessoas comendo.
🎯 Terceiro: pra chamar atenção. Baita publicidade, hein?
🎯 Quarto porque a PepsiCo quer nos ensinar uma valiosa lição: conheça os hábitos de consumo de sua audiência. Tem alguma coisa que você pode fazer para melhorar suas experiências?
Não aprendi dizer adeus
🤫 Enquanto o silêncio pode ser desconfortável para algumas culturas, em outras, é uma técnica de conversa, argumentação e negociação. Veja mais sobre isso nesta matéria da BBC.
🤭 A onda do turismo em busca do silêncio, no site da Gama.
😶 Um estudo de 2006 publicado no Journal Heart descobriu que apenas dois minutos de silêncio já são suficientes pra trazer um maior relaxamento, melhorar a concentração, o foco, a memória e ajudar no autoconhecimento.
🤐 A experiência de uma tagarela ao ficar 28 dias em silêncio. Você conseguiria? (UOL)
Mas deixo você ir
Segunda newsletter do ano e segundo texto que eu começo falando de um assunto e termino falando de outro. Pareço essas pessoas que emendam um assunto no outro. Seria isso um fluxo de consciência ou falta de foco? Talvez um pouco de tagarelice ou muito assunto pra por em dia, após a recessão de fim de ano.
Não sei, só espero que não tenha te confundido. Rs.
Um beijo e até a próxima semana!
- Andrea
Andrea Nunes é publicitária de formação, comunicadora do agronegócio de profissão e escritora por paixão. Aqui compartilho, entre crônicas e links, alguns insights do mundo da comunicação.
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Amiga, temos o mesmo problema dos batatoes hahahaha nada cabe e ja desencanei! Sobre o silencio estou em busca dele todo o tempo, falo dele toda hora. Meu entorno é muito barulhento, imagina com os meus tres, como é dificil conseguir e estou de fato tentando fugir quando posso! 🙏🏻
Texto delicioso de ser lido. E curtindo em silêncio o som de cada palavra. Muito bom.