Eu danço desde os 5 anos. Era ballet, mas depois vieram o jazz e sapateado, com passagens pelo moderno e contemporâneo. Todos tiveram suas épocas e se foram. O sapateado ficou. O sapateado tem o meu coração.
Na verdade, o palco tem meu coração. Como eu desejei palco minha vida toda, só Deus sabe. Queria a Broadway, mas sempre ouvi que era impossível ou que não dava dinheiro. Vai viver de quê?, me perguntavam. Vai ter que dormir com algum diretor pra conseguir papel, julgavam.
Mas a sensação de estar no palco é, pra mim, inebriante. É como droga. Eu estou lá hoje e já quero repetir amanhã. É injusto pisar no linóleo uma única vez ao ano, mas é o que temos.
Engraçado que hoje, dia seguinte da apresentação de fim de ano da aula de sapateado, percebi que eu havia me esquecido disso. Havia me esquecido de como o palco me faz sentir.
Não me apresentava desde 2018, tempo suficiente para superficialmente esquecer as sensações, mas insuficiente para apagar a memória de todo meu sistema nervoso. Ainda nos bastidores, a adrenalina voltou. O medo e a insegurança também. Assim como - e em maior escala - voltaram a alegria de estar lá, a possibilidade de improvisar sobre os erros, o frio na barriga da coxia, a satisfação dos aplausos. O quentinho no coração em ler a mensagem do marido logo que saí de cena: ARRASARAM!, assim, em letras maiúsculas…
Ah, o palco, as artes, o belo, a doação, a dedicação… Por que não lutei por vocês? Por que esperei fazer quarenta anos para descobrir que deixei de lado um sonho? Eu era a criança que depois que se descobriu feliz nos holofotes, teve que apagar a luz e trocar as sapatilhas e sapatos com placas de metal pelo dia a dia atrás do ganha-pão. Vestibular, faculdade, estagio, aquela coisa toda.
Quem nunca trocou um sonho pela vida real? Sei que não fui a única. Sei também que sou privilegiada por poder viver meu sonho de artista uma vez ao ano. Sou feliz e grata pelos sete minutos que fiquei em cena. Pelos erros escondidos atrás de improvisações que só consigo fazer hoje, com a maturidade adquirida. Mas isso não impede que eu sinta vontade de mais. Sei que a Broadway não é mais uma possibilidade pra mim, isso é fato, mas a literatura ainda é.
É por isso que escrevo. É neste exercício semanal com esta newsletter que eu coloco todo meu amor à arte. A palavra é uma arte linda. Assim como o palco, ela me expõe, me deixa vulnerável. Cada vez que clico em “enviar”, sinto o frio na barriga da coxia. Espero os aplausos, é claro. Mas, mais que isso, enquanto escrevo sou eu inteira. Sou sem censura. Sou minha alma toda. Improviso quando não sei se a conjugação ficou boa e a frase sentido, assim como quando era ball-change* naquele momento da coreografia e eu fiz shuffle-hop*. O carão e a entrega ajudam a disfarçar quando a concentração me falta. Sou inteira. E eu adoro estar inteira. Adoro me doar, me jogar, me deixar fluir.
Ontem, depois do palco, depois me de me dar chibatadas pela performance não ter sido como planejei (porque virginianas são assim mesmo), meu companheiro de dança me deu estendeu um copo plástico com whisky e me disse: foda-se. Você se divertiu? Então vamos comemorar. Obrigado por dançar comigo.
Sim, eu me diverti. Diverti-me tanto que queria dançar de novo. Queria dançar mais dez vezes! E se eu não fosse perfeita nas dez vezes, eu estaria igualmente feliz. Não estou dizendo isso por dizer. Meu marido, que acompanha minhas apresentações há anos, me disse que eu havia dançado bem, leve e que eu parecia muito feliz no palco. É isso! A felicidade nos liberta da busca pela perfeição.
Aqui, neste espaço, com certeza não serei perfeita. Vira e mexe vai ter uma palavra repetida aqui, uma falta de pontuação ali, mas vai sempre ter também muito de mim. Estou aqui inteira e lembrando, semanalmente, como é importante ter algo que me faça sentir assim, tão feliz.
Obrigada por estar na platéia.
Nos vemos semana que vem.
Um beijo,
- Andrea
*Nomes de passos de sapateado.
E o marketing, Andrea Cristina?
Hoje sem marketing. Só Janis Joplin.
Não aprendi dizer adeus
📺 Assisti Jury Duty (Amazon prime) quase que maratonando. Nas palavras do site Omelete: um falso documentário aos moldes do Show de Truman, que transforma em produto não as minúcias da intimidade de alguém, mas as reações de uma única pessoa que não sabe que está inserida em uma trama ficcional.
A cobaia em questão é Ronald Gladden, um americano absolutamente comum, que concordou em participar de um doc sobre o sistema judicial, enquanto serve no júri ao lado de outras 11 pessoas.
Segue o trailer e um spoiler: você vai rir!
💓 Pra não dizer que não falei de nenhuma marca, amei que o WallMart reuniu o elenco de Mean Girls (Meninas Malvadas, filme de 2004) para seu comercial de Black Friday. Tão cheio de referências, tão perfeito pra quem, assim como eu, já assistiu o filme mais de mil vezes AND ao musical da Broadway.
Uma única decepção: Rachel McAddams não quis participar, então não temos a rainha Regina George!
Novamente - e não é mais novidade pra ninguém, mas a gente ama - uma marca usa o fator nostalgia para chamar a atenção e ganhar o coração do público.
Alguém mais sabe a coreografia de Jingle Bells Rock?
Mas deixo você ir
Agora já foi a troca de faixa do judô, a formatura do infantil e a apresentação de sapateado. Só faltam a aula aberta do judô, a apresentação de circo, a aula aberta do inglês, as duas reuniões com as professoras, a aula aberta do futebol e a apresentação de balé. Depois, Natal.
Tá tranquilo o fim de ano aqui. E aí?
Andrea Nunes é publicitária de formação, comunicadora do agronegócio de profissão e escritora por paixão. Sonha em escrever um livro, mas, por enquanto, exerce a escrita na newsletter Andrea Me Conta.
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que lindo, vocÊ é Incrível
Amei esse texto e adoro seus textos mais pessoais. Continue dançando em seus textos! ❤️