Essa é uma newsletter de crônicas, que fala também um pouco de marketing, misturando-o à cenas do nosso cotidiano. As letras em rosa são links clicáveis, tá? Boa leitura.
A bolsa
Quando viajo adoro comprar alguma coisa que seja produzida na região, ou que represente o lugar onde estive. Não estou falando de souvenirs, mas de algo mais simbólico. Um artesanato, por exemplo.
Semana passada estive na Bahia, num resort mais afastado de qualquer centrinho, mas que tinha lá suas lojinhas de badulaques locais para eu passar boa parte das duas tardes chuvosas que atrapalharam meu bronzeado.
“Fazemos uma curadoria de produtos de artesãos locais", me disseram. Foi o suficiente para eu me encantar.
Eram toalhas rendadas, vestidos, cerâmicas e bolsas. Diversas bolsas de palha, lindas, de todas as formas e tamanhos.
Na estante onde estavam expostas, uma me chamou a atenção. Redondinha, com uma trama bem feita, fecho de couro, interior de tecido, pra carregar na mão (não nos ombros). Um charme. Uma tchuchuca. Um mimo.
“É daqui da região?”
“É sim. De uma das cooperativas daqui".
O valor estava bom para uma bolsa artesanal. Em São Paulo um trabalho desses facilmente chegaria ao triplo do valor.
Comprei.
Fiquei toda feliz. Mostrei pro marido, pra filha, pra amiga. Olha que diferente pra cá, olha que graça pra lá.
Eis que, no último dia, quando fui colocar a bolsa na mala, a abri mais uma vez e reparei, bem lá no fundo dela, uma pequena etiqueta, que passara despercebido anteriormente. “Deve ser o nome da cooperativa", pensei, com grande inocência. Quando virei a etiqueta para ler o que estava escrito, estava lá, em letras garrafais:
MADE IN CHINA
Meu mundo caiu. Cadê o artesanato? A cooperativa? As mulheres rendeiras? Eu lá achando que estava ajudando a comunidade ribeirinha local, levando pra casa um item único, raro, especial, um pedaço da Bahia para minha São Paulo cinzenta, quando, na realidade, estava comprando uma mercadoria que provavelmente foi encomendada no Ali Express.
Pra você ver que tudo é uma questão de storytelling. Ou seja, da narrativa que envolveu todo o processo de compra.
E quando falo “storytelling”, não me refiro apenas à história da curadoria de artesanato, mas todo o entorno. A Bahia, a loja cheia de rendas e cerâmicas, as fitinhas do Senhor do Bonfim coloridas, se agitando com o vento. Todos os elementos que compunham a cena me contavam a história que eu queria acreditar.
O storytelling também leva em consideração o sentimento do consumidor e a forma de comprar de pessoas do sudeste do país em visita ao nordeste. Eu era a representação fiel do arquétipo do público-alvo da loja, provavelmente replicando os padrões de comportamento de tantos outros turistas que já passaram por lá.
E se eu tivesse visto a etiqueta antes de comprar?
Não sei o que faria. Com certeza não compraria, pois o encanto teria sido quebrado. Talvez o vendedor me desviasse para outro item da loja. Talvez eu não comprasse mais nada de lá.
Mas não foi bem assim. Não comprei só a bolsa.
Não ria, vai. Sou a publicitária que acredita em propaganda.
Comprei um vestidinho para minha filha, com um trabalho em renda lindo no corpo, todo colorido, contrastando com a saia branca.
“Esse deve ser local, não é possível".
Dois dias após chegar em São Paulo, minha amiga Marina, que me acompanhou na viagem, me mandou uma foto da filha de uma amiga dela lá em Alagoas, usando exatamente o mesmo vestido.
Querida loja de “artesanato” do meu hotel da Bahia, vocês destruíram a minha fé na humanidade. Atenciosamente, Andrea.
Ah gente, fala sério!
Diante dos fatos, estou criando storytellings só meus:
O vestido vem de uma rede de cooperativas de mulheres nordestinas de diversos estados, que trocam mercadorias entre si. Por isso pode ser encontrado em lojas de artesanato de toda região.
A bolsa, por sua vez, não foi encontrada numa primeira busca que fizemos no Ali Express. Ufa. Provavelmente é porque ela vem de alguma cooperativa de mulheres de uma região rural chinesa (Dong-jin-shuan, ou algo do tipo), conhecida por suas técnicas milenares de artesanato. Dizem que o mesmo tipo de trabalho da bolsa era usado para embrulhar bebês recém-nascidos desde 400 a.C, para protegê-los do frio tão intenso da região.
E aí? Com essa narrativa, você compraria?
Não é o que você vende, mas como você vende.
Pra mim, o melhor anúncio da semana, com o melhor storytelling:
Não aprendi dizer adeus
Sempre falo sobre storytelling por aqui, mas duas edições foram mais fundo no assunto. São essas aqui:
E essa aqui, lá no começo:
Mas deixo você ir
Antes da viagem eu disse que fiz uma besteira, não disse? Pois bem, marquei minhas férias na semana de um dos meus eventos. Paguei um valor promocional que dobraria em qualquer outra data.
Como trabalho com a família, minha terapeuta só disse: Freud explica, vá.
Fui. E minha equipe brilhou.Ela sempre brilha, né? Mas dessa vez, sem eu lá pra controlar tudo com meu jeito virgianiano de ser, elas brilharam ainda mais. Estou super orgulhosa e, por isso, dedico essa edição pra elas: Ju, Mi, Mel e Bru. Arrasaram!
Até a próxima!
Um beijo,
Andrea
Andrea Nunes é publicitária de formação, comunicadora do agronegócio de profissão e escritora por paixão. Sonha em escrever um livro, mas, por enquanto, exerce a escrita na newsletter Andrea Me Conta.
Quero foto da bolsa e do vestidinho kkkkkk