“Energia”
Foi essa a palavra que pensei quando ouvi a voz suave da professora de yoga. “Coloque uma intenção na sua prática”, ela dizia. Isso é comum na yoga, chama-se Sankalpa.
Sankalpa vem do sânscrito e significa intenção, propósito. É uma frase curta, ou mesmo uma palavra, concisa, clara, altamente evocativa e sempre positiva. Ela vem da nossa auto observação. O que queremos modificar ou fortalecer em nós mesmos? A partir daí, a gente mentaliza o propósito e trabalha a força do nosso pensamento.
Eu tenho andado muito cansada ultimamente. Sem vitalidade, sabe? Por isso meu Sankalpa foi simplesmente “energia”.
Definido isso, deixei a prática fluir. Na sala quente da hot yoga o alongamento flui, a gente sua mais que tampa de marmita, mas a sensação ao terminar é indescritível.
Ao final eu já me sentia mais energizada. Exercício, endorfinas, sabe como é. Sentei-me com as pernas cruzadas, ouvi as palavras finais da professora e seu convite para pegar uma carta de um oráculo, o oráculo das Deusas. Nome brega, eu sei. Mas eu adoro um misticismo, então, depois do namastê fui lá pegar a minha cartinha. Pra minha surpresa, foi isso que saiu pra mim:
Deusa Shakti. Energia.
No livro do oráculo, a profecia: “Shakti explode na sua vida para energiza-la e revitalizá-la".
Não pode ser coincidência. O universo e os deuses hindus estão ao meu lado. Energia, “vem ni mim". Namastê pros amigos, sifudê pros inimigos e bora pra vida.
Comecei a contar a coincidência das estrelas pra todo mundo. Marido, terapeuta e amigas. Uma das amigas me confidenciou estar se sentindo esgotada também. Outra amiga idem. E mais uma. Quando me dei conta, praticamente todo mundo que ouviu a minha história da yoga se confessou cansado.
Aliás, tenho visto tanta postagem, artigo e meme sobre o estado de espírito “exausta”, que estou cansada de me sentir cansada de tanto ver o cansaço como tema principal da vida.
Até escrevi um texto sobre isso na minha página do Medium, então não vou ser redundante aqui.
Mas já faz algum tempo que esse negócio de cansaço pra cá e cansaço pra lá vem me incomodando e eu sem saber o porquê. Até que, num belo dia, ouvi um episódio do podcast Bonita de Pele, apresentado pela Jana Rosa, com a participação da incrível Hui Jin Park (que, por acaso, era da minha sala da ESPM) e do André Alves, da Float Vibes, e o click aconteceu.
O click se deu quando, no meio da conversa, eles mencionaram que a indústria de wellness (bem estar) vive de nos dizer que estamos cansados. Inclusive, André comentou sobre um estudo da Consumoteca, que diz que 41% dos consumidores latino-americanos sentem que não estão fazendo tudo que podem pela sua felicidade. Aí, nas palavras dele, “tem uma indústria que te diz todos os dias que você não está. Compra isso aqui, usa isso aqui, que você chega mais perto do seu eu ideal. Seu ‘eu ideal anabolizado’, né?”
Quanto mais cansados nos sentimos, mais consumimos vitaminas, suplementos, acessórios esportivos, aplicativos de meditação guiada, melatonina, smart watches, a própria hot yoga, etc, etc, etc.
Segundo a McKinsey, essa é uma indústria de $1,5 trilhão. Uau. É claro que vão nos dizer o tempo todo que estamos cansados. Até eu, que estou exausta.
Veja bem, não estou dizendo que seu cansaço não é real. Longe de mim. O meu também é. Estou apenas trazendo uma reflexão aqui. Será que precisamos buscar o bem estar incansavelmente (desculpa o trocadilho). Que mal tem em sentir de verdade? Ter preguiça de passar creme no rosto e não se sentir mal por isso. Não tentar ser positivo quando se enfrenta alguma dor.
Existe um problema com essa indústria de wellness: você nunca parece estar fazendo o suficiente. Afinal, você trabalha, se esforça, toma suco verde e medita e sempre tem algum sentimento ruim que você não consegue eliminar. É claro que não consegue eliminar! Você é um ser humano, caramba! Mas como estão te vendendo uma vida de bem estar pleno, o sentimento ruim parece ser um fracasso pessoal.
O que estou querendo dizer é que até nosso cansaço virou oportunidade de negócio. Virou nicho. Virou propósito de muita empresa que é a causa do burnout de seus funcionários.
Voltemos à yoga.
Sei que encontrar um estúdio a cada esquina é fruto dessa indústria trilionária, mas não posso negar: adoro ter esse tanto de opções e adoro o fato de que essa prática milenar não seja mais tão restrita - aqui no ocidente - a um pequeno grupo de pessoas que se acha cult.
Então, como já criei essa consciência de que existe sim a economia do bem estar, assim como sei que o estúdio-de-yoga-franquia-hypada-cult-badalada que eu frequento seja uma das ofertas dessa indústria, tornei-me uma consumidora com moderação.
Como assim?
Vou pra yoga. Se é um dia ruim, que nem os mantras me fazem focar, que a respiração não encaixa e as posturas se desequilibram, não me abalo. Se aula não foi tão dinâmica, não me cobro a fazer algum outro exercício para “complementar”. Se não estou com vontade de ir, não vou. Mas se vou e consigo me entregar à prática, se os movimentos fluem e a mente vai pra outra dimensão, fico muito feliz. Sinto que atingi meu “eu anabolizado”, como disse o André. E se eu ainda tiro uma carta do oráculo, que tem a mesma palavra do meu Sankalpa, melhor ainda.
Naquele dia passei até creme no corpo.
Não aprendi dizer adeus
Links, links e mais links:
🤍 Ressaca do wellness, um artigo incrível da Float - Medium (PT)
🤍 “Meu ano de descanso e relaxamento”. Li esse livro no ano passado e achei esse livro muito bom. A protagonista quer se anestesiar de tudo e conta com a ajuda de uma terapeuta tabajara e muitas pílulas.
🤍 Sociedade do Cansaço. Só comecei a ver, mas tem muito a ver com esse papo de hoje. Tá na Globoplay.
🤍 O bem estar é um negócio - The Shift (PT)
🤍 Wellness Travel - Vogue (PT)
🤍 Bem-estar: brasileiros encaram mercado de Wellness como prioridade - Consumidor Moderno (PT)
🤍 Como a indústria do bem-estar está dominando o turismo - BBC (PT)
🤍 A marca mais confiável dos Estados Unidos? Band-Aid! - Marketing Brew (EN)
Mas deixo você ir
E peço desculpas se o texto ficou um pouco confuso. Estive beeeeeeeeem ocupada nas últimas semanas, por conta de um dos maiores eventos que organizo, o Herbishow. Fui escrevendo e não reli. Deve ter um ou outro erro de concordância ou uma ou outra palavra repetida repetida.
Mas te digo uma coisa, nossa empresa não tem mantra de wellness, nem nada disso, mas se tem uma coisa que me deixa muito energizada é um evento, viu?
Ontem, quando o evento acabou, até passei creme no corpo.
Um beijo,
Andrea