O ano é 2023. Os temas são cotidiano, marketing e comunicação. A escrita é em crônica e a newsletter é a Andrea Me Conta. Que bom te ver aqui. Alguns links são em matérias em inglês, mas você pode clicar com o botão direito do mouse e escolher a opção “traduzir página”. Aproveite pra me seguir também no Instagram. Boa leitura!
Quando eu tinha dois anos, meu pai passou um mês na Flórida a trabalho. Ele não estava exatamente em Orlando, mas, assim que conseguiu uma folga, foi conhecer a tão falada Disney World.
Quando se viu em meio a tantas cores, músicas e aromas, emocionou-se. Pensava o tempo todo em sua filha no Brasil. Ah, como ele queria que ela estivesse lá, vivenciando tudo aquilo com ele.
Ele queria registrar tudo, cada centímetro daquele lugar mas, no início dos anos 80, nada era super fotografado como hoje. As máquinas precisavam de rolo de filme e eles não eram assim tão baratos. Acho que papai usou um filme com capacidade de 12 ou 24 poses e só. Mesmo assim, arrisco dizer que, dentre todas as fotos que me acompanharam na minha primeira década de vida, eram as da Disney que eu mais gostava.
Ainda hoje, se fecho os olhos, consigo ver a Cinderela em um carro alegórico (posso chamar de carro alegórico?) de um dos desfiles diários, um anão da Branca de Neve, que entrou na frente da câmera bem na hora do clique e um hipopótamo de mentira, imerso na água e com a boca aberta, da atração Jungle Cruise.
Além das fotos, papai trouxe um jogo americano infantil, que está comigo até hoje. De um lado, a peça tem os principais personagens da turma do Mickey e, de outro, um mapa do Magic Kingdom. Como eu era alucinada por aquele troço! Debruçava-se sobre ele e já me imaginava percorrendo aquele mundo.
Treze anos depois, quando o dólar valia a mesma coisa que o real (sim, geração Z, esse mundo existiu), papai e mamãe puderam então realizar meu sonho, que era conhecer aquele lugar das fotos de 1982 e do jogo americano.
Aos 15 anos, entrei no Magic Kingdom e me arrepiei. Aos 25 também. Aos 33 idem. Não foi diferente este ano, com 42. Acho até, que meu sorriso ao cruzar a Main Street, rua principal do parque, é maior que o de qualquer criança.
Na minha primeira visita, chorei na parada das 15h, na parada noturna (que não tem mais e eu acho uma sacanagem) e na queima de fogos. E graças ao mapa do jogo americano, eu já sabia exatamente onde ficava cada coisa. Adventureland para a esquerda, Tomorrowland para a direita.
Este ano, com a companhia dos meus filhos pela primeira vez, a visita teve um sabor especial. Eles ficaram exaustos, eu mais ainda, mas jamais vou me esquecer de quando, ao final da queima de fogos, estávamos os três chorando e meu marido emocionado, sem dar o braço a torcer.
Meu pai obviamente se realizou por mim, mas não perde a chance de me falar, com uma frequência maior do que eu gostaria, que eu vivo num mundo de sonhos e fantasias. Quer saber? Vivo mesmo. E os sonhos que sonho acordada me guiam para a a realidade de todos os dias.
Essa newsletter é sobre a Disney (ah vá!)
Janeirão na Disney foi épico. Não apenas pela magia dos parques, mas pelo cartão de crédito que eu vou ter que parcelar até o fim do ano.
A Disney tem sim uma capacidade de encantar seu público, que é maior que qualquer empresa que eu conheço, mas eu vou falar aqui sobre o jeito Disney de fazer o cliente pagar mais.
Todo mundo sabe que as filas nos brinquedos mais populares da Disney podem chegar a duas horas. A média, eu diria que é em torno de 45 minutos. Isso para atrações que duram de 3 a 5 minutos.
Antes deste ano, estive na Disney em 2014. Na época, conseguíamos pegar filas menores com um negócio chamado Fast Pass que funcionava assim: nós passávamos pela porta dos brinquedos e retirávamos os fast passes de uma maquininha, como uma senha. Neste papelzinho tinha o nome da atração e o horário que você deveria voltar lá, pra poder entrar na fila menor.
Era um perrengue, a gente andava o dobro, mas era gratuito.
Agora o negócio evoluiu. A Disney criou um fura filas chamado Genie+, que é vendido separadamente do ingresso. Para organizar as filas dos portadores de Genie+, você usa o aplicativo da Disney para reservar o horário da seu entrada nas atrações. Você pode marcar uma atração a cada DUAS HORAS.
Sim, é isso. Você só pode marcar um segundo brinquedo duas horas depois de marcar o primeiro e o terceiro, duas horas depois de marcar o segundo. Ou então, quando você entra na primeira atração marcada e faz seu check-in (tem isso), você já pode marcar a atração seguinte sem esperar as duas horas. Entendeu? Eu não, mas na prática você pega o espírito da coisa. Enfim, você paga, fica o dia todo no celular, mas em compensação, as filas são praticamente inexistentes.
O dia rende, a experiência é outra, dá tempo de curtir mais o parque e seus pequenos detalhes, mas é que nem droga: uma vez que o usuário experimenta a Disney sem filas, ele não quer voltar pra forma tradicional.
Mas calma que não acabou.
Não são todas as atrações que estão contempladas no Genie+. Cada um dos quatro parques tem um brinquedo que, por conta de sua popularidade, são pagos à parte, caso você queira entrar neles sem fila. É o que eles chamam de Lightning Lane Seleção Individual.
Já que estamos falando sobre o cliente pagar mais, vamos ver quanto ficaria um dia no Epcot Center, com essas facilidade de entrar sem fila nos brinquedos:
Você compra um ingresso de um dia que custa entre US$109 a US$189
Você não quer pegar fila, então compra o Genie+ que, de acordo com o dia da visita varia de US$15 a US$30 por pessoa e vale só para aquele dia.
Aí você fica sabendo que o Guardiões da Galáxia é a atração mais legal, mais procurada e tem uma fila de 2 horas, mas ele não está contemplado no Genie+. São mais US$7 a US$15 dólares, por pessoa, só para entrar uma vez no brinquedo.
Acrescente nessa conta: refeições, sorvete do Mickey, orelhas da Minnie, uma lembrancinha (impossível passar ileso das lojinhas), uma experiência (vou falar delas mais abaixo) e chegue ao seguinte resultado: falência.
Esses são os valores por dia, por pessoa, para ter uma experiência premium na Disney, sendo que tanto o Genie+, quanto as Lightning Lane Seleção Individual, quanto o agendamento nos brinquedos ESGOTAM!
Bom, como este não é um guia para a Disney, então vou pular direto para a parte sobre o aprendemos sobre PREÇO e VALOR com o parque do Sr. Walter Elias Disney:
🔥 O cliente está sempre disposto a pagar mais para ter uma experiência de compra e uso diferenciada. Eu me lembro que, cada vez que entrávamos pelas “lightning lanes”, as filas especias para quem tinha Genie+, meu filho olhava as pessoas na fila convencional ao lado e me falava: “mamãe, somos VIP". Essa foi a impressão de um garoto de 8 anos. Tá vendo que o valor gerado (e percebido) foi maior que o custo extra?
⏳ A Disney usa bem o recurso da escassez para gerar ansiedade e levar a uma compra por impulso, quase irracional. Como só é possível compra-los no dia da sua visita, você nem pensa. Coloca o relógio pra despertar à meia-noite pra garantir o Genie+, e às 7h (se estiver em hotel da Disney, senão, no horário de abertura do parque), para comprar o LL Seleção Individual e marcar o primeiro brinquedo. Se o Genie+ do Magic Kingdom custou US$15 ou US$18 eu não sei. Só sei que, às 00:01 do dia da minha visita, passei o cartão de crédito e garanti o meu.
💰 A Disney usa bem a lei da oferta e da demanda: nas datas mais procuradas, os ingressos são mais caros. O principal combustível do aumento dos preços altos, é a alta demanda, claro. No post “Por que os ingressos da Disney são tão caros”, do site Melhores Destinos, a autora diz: com pessoas do mundo inteiro indo a Orlando e demais cidades onde há parques da Disney, a procura pelos ingressos é muito maior do que a disponibilidade, o que faz com que a empresa possa cobrar valores mais altos e ainda assim ter os parques sempre cheios.
🪄 A Disney busca expandir seus mercados com muita pesquisa e storytelling adaptados para culturas locais. A classe média americana está com o crescimento estagnado. Se a Disney dependesse apenas desse público, provavelmente não poderia praticar os preços atuais. Mas, desde muito tempo atrás, a empresa busca ser global. Para isso, precisa olhar para cada público e adaptar suas histórias, suas estratégias e suas ofertas de produtos. Adorei essa reportagem do El País, intitulada “A Fórmula Disney para conquistar o mundo", que fala exatamente sobre isso.
🧚 A Disney cria experiências inesquecíveis para seus clientes que podem gastar mais. Podemos chamar isso de segmentação. Além do público médio que visita os parques, a Disney oferece mais para quem pode pagar mais. São refeições no castelo da Cinderella, transformações de meninas em princesas na boutique Bibbidi Bobbidi, hotéis temáticos com bangalôs no estilo Bora Bora (que custam mais de três mil dólares a noite) e por aí vai. Essas são as chamadas EXPERIÊNCIAS.
🌟 A Disney sabe que é uma marca premium e ser premium vai além do preço mais alto. A Disney foca em oferecer a melhor experiência possível em todos os pontos de contato com o cliente, indo muito além dos seus serviços e produtos. Os serviços, a limpeza, as experiências, a resolução de problemas, tudo lá é impecável, bem condizente seu posicionamento. O custo dos ingressos reflete esse posicionamento, mas o valor agregado justifica o preço.
Mas e aí?
Como marqueteira, que consegue enxergar estratégias e artimanhas de uma empresa que gera bilhões em lucro, eu devia me perguntar se vale mesmo a pena gastar um rim pra ir pra Disney. Devia ensinar meus filhos que a Disney é uma empresa como qualquer outra, que visa o lucro, que olha para nós, seus clientes e vê um cifrão estampado nas nossas caras. Devia falar que o castelo da Cinderella não é real, que as princesas não são reais e que o Mickey é só alguém fantasiado que dá tchau e passa calor.
Mas o neuromarketing explica porque não faço nada disso: quem toma decisões é nosso sistema límbico, o responsável pelas nossas sensações e emoções. Quando falo eu Disney, eu ainda sou a criança de 2 anos de idade, olhando para um jogo americano e me permitindo criar histórias na minha cabeça, acreditando na magia, nos contos de fadas e nos sonhos mais felizes que já sonhei pra mim.
Pronto, tô chorando.
Até a próxima.
- Andrea
Melhor lugar da Terra. Quanto mais eu vou, mais eu gosto. E digo mais: quer conhecer o mundo, vá ao EPCOT. E basta!
Escorreu uma lágrima aqui também. É mágico! Com os filhos então... só gratidão!