O ano é 2023. Os temas são cotidiano, marketing e comunicação. A escrita é em crônica e a newsletter é a Andrea Me Conta. Que bom te ver aqui. Alguns links são em matérias em inglês, mas você pode clicar com o botão direito do mouse e escolher a opção “traduzir página”. Aproveite pra me seguir também no Instagram. Boa leitura!
Ah, janeiro… o mês do sol, das férias escolares e dos posts repetidos no Instagram.
No meu feed pipocam imagens de céu azul, de mares convidativos e de dicas para os próximos 365 dias. Elas se contradizem e se completam, uma atrás da outra. Encontro conselhos em forma de carrossel sobre como se manter focada para atingir metas, até como não deixar que nossas resoluções de ano novo nos estressem.
Sem contar as inúmeras postagens que incluem dicas para ser mais autêntico, cuida da alimentação e ter um tempo para si.
Com essa falta de diversidade, o dedo vai empurrando a tela pra cima e o feed pra baixo instintivamente, em modo automático, repetitivo, entediado.
Mas isso é esperado. É tedioso mesmo, mas, inconscientemente estou (e você também está) em busca de algo interessante e, até agora, nada digno de nota apareceu.
Até encontrarmos algo que nunca imaginamos que encontraria.
Nesta última semana, esse “algo” foi o desfile de uma marca italiana de alta costura que eu, uma pessoa não inteirada no mundo da moda, até então não conhecia: Schiaparelli. Meus dedos pararam a tela nessa imagem:
Imediatamente me lembrei de uma cena icônica: rei Joffer, pai de Will Smith em “Um príncipe em Nova York” chegando na Big Apple para resgatá-lo:
Até lembrei-me do meu pai me rindo e dizendo, toda vez que assistíamos esse clássico da sessão da tarde: “vixi, o homem é bravo. Olha, ele tem um leão no ombro". Minha primeira reação foi rir da lembrança e passar pra frente.
Aí comecei a ver as reações em diversos perfis. A maior parte repudiava a marca com argumentos fortes. A publicitária Marcela Raposo, publicitária por trás do ótimo perfil @publireview, foi uma dessas pessoas. Em suas palavras:
“No meu ponto de vista, se uma marca precisa abdicar da humanidade para mobilizar o mercado, a marca entende de tudo, menos de marketing”, diz a autora. “Marcas são agentes, organismos que têm sim um papel social, seja de servir, de emocionar ou inovar. Constranger, gerar repulsa e apresentar algo que esteticamente pode ser interpretado como apologia à caça é indiscutivelmente vexatório. E a disputa acirrada por atenção está no centro disso”.
O que posso dizer? Como publicitária, concordo com ela em gênero, número e grau.
Mas será que foi isso mesmo? Vamos analisar.
A marca italiana utilizou-se do conceito de Interrupção de padrão, que é quando o contraste leva as pessoas a prestar atenção.
O conceito é simples.
A percepção é relativa. Não vemos as coisas como elas são, mas como elas se comparam com outras coisas no mesmo ambiente. Quando algo quebra o padrão esperado, prestamos atenção.
O desfile da Chanel, por exemplo, foi belíssimo, foi bem Chanel, cheio de tailleurs, xadrezes e outros clássicos. Mas não se destacou em NA-DA. Pelo menos pra mim. Enquanto isso, Schiaparelli, em comparação com Chanel, quebrou o padrão e conseguiu minha atenção e de mais um monte de gente que, assim como eu, não entende nada de moda.
Aí voltamos à colocação da Marcela e nos perguntamos será que a marca passou dos limites?
Eu ainda não tinha uma opinião formada quando assisti os stories da Fabi Hussni), que é consultora de imagem e coolhunter (@fabi_hussni). Neles, ela falava um pouco sobre a história da Schiaparelli.
A fundadora da marca, Elsa Schiaparelli, foi uma estilista que sempre cuidou de suas coleções como uma forma de manifesto artístico. Ainda no início de sua Maison, ela contratou artistas plásticos para criarem seus tecidos e acessórios. Era super ligada ao surrealismo e parceira de Salvador Dali. Por conta disso, suas coleções sempre tiveram esse quê de representação artística, sendo até um tanto teatral.
Uma frase da estilista: “For me, dress designing is not a profession but an art” (para mim, design de roupas não é uma profissão, mas uma arte).
O desfile deste ano foi uma representação do inferno de Dante, primeira parte da Divina Comédia. Quando Dante chega ao inferno, ele encontra as três feras: a pantera, o leão e a loba, os animais que têm suas cabeças aplicadas em vestidos.
É importante a gente falar que as cabeças são feitas de resina, eles mostraram a manufatura de cada uma, que é uma verdadeira obra de arte. Então, pra quem estava inserido no contexto do desfile, tudo fez total sentido. Agora, quem somente viu as imagem soltas no Instagram, por uma mera questão de algoritmo, sem entender o porquê das peças, com certeza mal julgou os artistas e estilistas que o conceberam.
Então, como disse a própria Fabi: qual o propósito da marca? Comunicar que a arte continua em seu seu DNA? Preservar a imagem de sua fundadora?
O atual estilista da marca, Daniel Roseberry fala da coleção no site da Schiaparelli:
“Esta coleção é minha homenagem à dúvida. A dúvida da criação e a dúvida da intenção. Os impulsos gêmeos, às vezes contraditórios, de agradar o público e impressionar a si mesmo; a ambivalência que é a companheira constante de todo artista”. (…)
(…) “Elsa sempre prometeu surpresa em seu trabalho e, ao longo dos anos, as pessoas aprenderam a vir a Schiaparelli com espírito de admiração; você não sabe o que vai encontrar aqui, mas sabe que a história será diferente a cada vez”.
Como disse anteriormente, a percepção é relativa.
E digo mais, nós gostamos mesmo é do que é familiar. O familiar torna nossas vidas mais fáceis, pois gastamos menos energia mental. Por isso fazemos o mesmo caminho pro trabalho, compramos no mesmo supermercado, pedimos comida sempre nos mesmos restaurantes.
Mas essa familiaridade pode ser interrompida por um estímulo inesperado, como uma imagem do desfile em questão, que interrompe nosso padrão de rolagem de posts chatos e repetitivos de janeiro. Ele me fez parar para pensar o que está acontecendo.
É claro que, não é porque eles conseguiram nossa atenção, que somos obrigados a gostar do que vemos. Falando em “marquetês”, não é porque você conseguiu chamar a atenção do consumidor que ele vai gostar de você.
Masssssss, se tem uma coisa que essa polêmica dos bichos nas roupas nos ensina, é não julgar um livro pela capa. Ou em marquetês: não julgar uma campanha inteira por um único post.
Um abraço e até a semana que vem!
- Andrea
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P.S.: Só por curiosidade, uma das principais ONGs de proteção animal, a PETA, elogiou o desfile da Schiaparelli. Veja o que disseram:
Faz toda a diferença olhar o todo e não uma frase ou imagem solta