— Três meses?
— Sim. Imagine um fogaréu. Precisamos apagar esse fogo para poder reconstruir o que havia antes no local.
O fogo queima na minha perna. Do joelho para baixo. A canela, o tornozelo, o calcanhar, a planta do pé. Tudo em brasa.
O laudo da ressonância magnética de uma página e meia era enfático: manutenção urgente. O problema é que, aos 44 anos, a garantia já expirou. Perdi o período de recall. Não tem troca. Nem martelinho de ouro que resolva. Consertar vai custar caro.
Eu suspeitava, mas estava em negação. O pé doía na esteira já há três anos. Resolvi o problema parando de usar a esteira. Mas, em 2024, a dor voltou na quadra de tênis, na areia e na sala de dança. Ganhou até companheiras: uma queimação nas canelas e uma panturrilha que, vira e mexe, se enrijecia.
Mesmo assim, nada me fez parar no final de 2024. Ao contrário, aumentei a dose. Ensaiei os passos da apresentação de sapateado como se tivesse vinte e poucos anos. Inscrevi-me para dois torneios de beach tênis e, no tempo livre, marcava uma aula de tênis. Pensei estar em plena forma. Quarenta melhor que trinta. Uhu! Enganei-me ao ignorar os sinais.
“Você precisa ver a perna”, dizia minha mãe. Depois da apresentação, do Natal, do Ano Novo, da viagem de férias, eu retrucava. E, assim, quando finalmente fui atrás, descobri o nome de algumas “ites” que, ou eu não fazia ideia que existiam, ou achava que não me pegariam.
Fascite
Tenossinovite
Artrite
Tudo seguido de palavras como “edema, fissura, desgaste, sobrecarga, degeneração".
Degeneração, gente.
Degeneração. Substantivo feminino.
Mudança para um estado pior; decaimento, declínio.
Perda ou alteração (no ser vivo) das qualidades de sua espécie; abastardamento.
Degenerei. Decaí. Estou em pleno declínio.
— Mas, três meses mesmo, doutor?
— Sim, você precisa parar tudo o que força do joelho para baixo. O sapateado, o beach tênis e o tênis. A yoga precisa ter restrições. A musculação também. Depois dos três meses — continuou normalmente, como se não estivesse me dando uma má notícia — você vai começar a voltar devagar. Fazer o tênis como se fosse um frescobol recreativo.
Chorei na frente do médico. Senti-me em luto por dias, sem conseguir dizer em voz alta o que me deixava tão arrasada. O julgamento certamente viria com uma piada. “Vai parar o beach tenis? Ah, mas o copo Stanley você pode usar".
Ninguém sabe o que a atividade física representa para a minha vida. Nem o quanto ela é escape para problemas, dias difíceis ou até mesmo a própria realidade. O esporte e a dança me mantém sã. São um complemento ao tratamento da ansiedade e da depressão. Sem eles, faço o que?
É hora de reorganizar a casa. Ajeitar a rotina. Encaixar a fisioterapia e a acupuntura. Fazer o que dá. Direcionar o foco para outras coisas que me dêem prazer. A escrita, talvez? Se bobear, escrevo um livro num rompante ansioso. Vai ser melancólico. Ou confuso. Vão achar que escrevi (totalmente) drogada, mas serão apenas as descargas elétricas de um corpo com pouco movimento.
Ao me ver chorar, o médico se compadeceu. Ele, 60 anos, faixa preta em karatê, indo para a quarta graduação, usou seu tom mais delicado.
— Que bom amamos nossos esportes. Que somos tão apaixonados pelo o que fazemos. Assim, nós podemos nos agarrar nessa paixão para passar por essa primeira fase de tratamento de abdicação total. Vamos pensar na longevidade. Eu quero que você jogue e dance pelo resto da vida.
Continuou dizendo que, mesmo após minha volta, vou ter que me adaptar. Fazer um sapateado mais light, uma yoga mais light, um beach tênis mais light, uma musculação mais light, um Imagem & Ação mais light, um jogo de UNO mais light. Enfatizou - mais de uma vez - que a volta será devagar, recreativa, com correção da mobilidade e o escambau. Para não acontecer de novo. Eu achei que ele, embora ele tenha tentado, não ajudou.
Foram 2 dias até eu conseguir mandar uma mensagem para minha professora de beach tênis, abrindo mão do horário da minha aula. Quando consegui, joguei a real:
— Em três meses eu volto. Me espera. Vou ganhar tudo.
Mais light é o caralho.
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Não aprendi dizer adeus
🏐 Como é reconfortante ver que tem mais gente que sente o mesmo que eu. É o caso do
, que nos presentou com uma biografia da sua dor.🎾 Lembrei esses dias da semifinal do Australian Open, quando Djokovic foi vaiado ao abandonar a quadra por sentir muita dor na lesão do jogo anterior. Gostei muito do que seu adversário, Zverev, disse em entrevista: “Por favor, pessoal. Não vaiem o jogador quando ele sai de quadra com uma lesão. Eu sei que todo mundo pagou pelos ingressos. Mas Novak sempre deu de tudo na vida pelo esporte nos últimos 20 anos".
Mudando de assunto, Alguns autores conseguem elevar as dedicatórias de seus livros a um outro patamar (em inglês). Um exemplo? Tá aqui:

📔 Sobre livros: A
vai lançar um novo livro. Yay!📚 Esses foram os livros que li em janeiro.
Newsletters Superpoderosas:
🐶 Na dessa quinzena, a Marina conta como um latido quase levou um cachorro e seus donos para o tribunal.
🫢 A Gabi Miranda falou sobre a síndrome da impostora. Por que é que ela nos persegue? Nem a Fernanda Torres fica de fora.
🎨 Ela está toda semana aqui porque não tem como deixar de fora. A news O que você veio criar, da
fala sobre a criação como procrastinação.🎞️ A
já começou a falar de Oscar! Uhu!!!! Adoro!🇨🇳 Descobri essa newsletter novinha em folha através da
: Decode China. Ela promete decifrar, a cada 15 dias, notícias e tendências da China. O primeiro post já me fisgou.Vale a pena ver de novo:
Mas deixo você ir
Preciso fazer compressa de gelo nos pés. Depois fisio. Depois conferir a temperatura do filho, que está gripado. Mas tudo vai passar.
Obrigada mais uma vez por ler até aqui.
Um beijo e até a próxima,
- Andrea
Andrea Me Conta é uma newsletter independente e gratuita, que traz uma crônica por semana, uma pitada de marketing a cada quinzena. Escrita por uma publicitária escritora, com alma de artista e que tem tendinites e pequenas fissuras nos tendões, fascite plantar, desgaste nas articulações do dedão do pé, neuromas de Morton, edema ósseo e sobrecarga mecânica em algumas regiões do pé.
é difícil quando a gente é obrigado a parar de repente uma atividade de que gosta, mas é melhor fazer isso por três meses do que “para sempre”. vai dar tudo certo e logo logo você volta às quadras e à pista de dança! 😊
Sinto muito. Tudo pela longevidade!