“Ih ih ih-ih
Ih ih ih ih-ih
Ih ih a a away
A whim away, a whim away
A whim away, a whim away
A whim away, a whim away
A whim away, a whim away”
Certo.
Ela só está acalmando a bebê.
Já estive neste lugar
Empatia, Andrea.
Está cantando um pouco alto, é verdade, mas, coitada. Deve estar desesperada. Também já tive esse desespero. Sei que é irritante. Ela também sabe. É irritante para mim, que estou sentada na poltrona oposta, e para ela, que faz o possível para conter os berros da criança, que se mexe desajeitada em seu colo, querendo se desvencilhar da mãe. Não adianta dizer que é hora da decolagem. Essas palavras não lhe dizem absolutamente nada.
“In the jungle,
The mighty jungle
The lion sleep tonight”
É "sleeps”, não “sleep", corrijo mentalmente. Porque sou nerd e porque estou irritada. Calma, Andrea. Fecho os olhos para me lembrar de quando era eu nessa situação e puxo o ar numa tentativa de me concentrar na minha leitura de bordo. Antes de soltá-lo, outra voz junta-se ao coro.
“A whim away, a whim away
A whim away, a whim away
A whim away, a whim away
A whim away, a whim away”
Ah, pronto. O pai, que está sentado na fileira da frente, vira-se para participar. Que beleza. Quem mais falta? A avó? Os padrinhos? Será que estou no meio de um flashmob do qual não fui convidada?
Não me julgue. Sou sim empática. Já passei por cada situação em vôo com bebê que você nem imagina. Uma delas envolve um avião lotado, um momento de decolagem, um bebê fazendo força, uma fralda que encheu de repente e uns excrementos que começaram a vazar. Desculpe pela cena. Desculpe mais ainda se você era um dos estranhos amontoados ao meu redor nos espaços miseráveis da classe econômica.
Então eu sei. Eu. Sei.
Sei tanto que não reclamo, não faço caras e bocas e finjo normalidade. Mas no meu íntimo, lá no fundinho mesmo, me pergunto até quando essa gente vai cantar.
Decolagem feita com muita música. Dez mil pés alcançados com a música do leão rugindo forte. A luz de apertar os cintos se apaga. O pai se levanta e eu não perco tempo.
— Quer trocar de lugar?
Ele aceita. Quem sabe assim, baixe a voz.
Ao se sentar, a criança alcança sua mão. Há um corredor entre eles, mas agora estão mais próximos. O conforto do colo da mãe com o pai no campo de visão. Deve acalmá-la.
— Quer ir com o papai? — tenta a mãe
Ela não quer.
Pobre mãe. Ela só quer se mexer um pouco no ínfimo espaço destinado aos dois. Aposto que seu cóccix dói, tenso e rígido na poltrona dura. Só a criança se mexe. No meu banco, agora à sua frente, sinto os pezinhos baterem nas minhas costas e o arfar esbaforido da mulher com apenas dois braços. Sei que ela deseja mais um par deles.
Das inúmeras tentativas de conter a menina, nasce um “parabéns a você” cansado, que não faz nenhum sucesso. Mas a mãe não desiste. Aumenta o tom de voz, e apela:
— Vai papai, bate palmas!
Agora tenho dois adultos sentados na fileira bem atrás da minha, cantando parabéns a você com animação de marcha fúnebre. Um deles bate palmas. Ambos desafinam. O tom permanece falsamente animado e devem ter apertado o botão do repeat. Ad eternum.
Que bom que esse vôo é curto.
Em apenas 50 minutos, estou livre da música do leão, do parabéns a você, dos chutes nas costas e das vozes dos adultos falando com a bebê naquele tatibitati de consoantes tortuosas, que se usa para falar com crianças pequenas.
Agradeço a Deus, Alah, Buda e todos os santos por isso não existir mais na minha vida. Minhas crianças crescidas são espertas, se resolvem. Escolhem o filme que querem ver, leem suas revistinhas, fazem seus desenhos, interagem com a aeromoça e não roubam meu espaço na poltrona 132E. Não preciso mais expor ninguém aos meus sofríveis dotes musicais ou fazer malabarismos para aceitar uma água no serviço de bordo. Ufa! Meus braços estão livres. Eu estou livre. Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós.
Saio do avião leve. Vejo a família que estava próxima a mim no vôo na dinâmica abre carrinho, coloca bebê, pendura bolsa. Segura pra mim? Ai, não abriu. Não consigo fazer tudo. Você não faz nada. Me dá a criança.
Suspiro longamente. O peito dói. Os braços livres não sabem o que fazer ou para onde ir. Coloco as mãos nos bolsos, abaixo a cabeça e sinto os olhos marejarem. Que saudades dos meus bebês…
P.S.: A música dessa crônica é essa aqui.
E o marketing, Andrea Cristina?
Essa crônica está escrita há um tempão em um pedaço de papel que fica dentro da pasta do meu computador. Nem sei porque não a publiquei antes. Acho que estava guardada para essa situação.
Se você esteve no Brasil ou nas redes sociais brasileiras nessa última semana, viu o caso da mulher que foi exposta por não ceder lugar a uma criança no avião.
Imediatamente fez-se barulho, Jeniffer Castro, a mulher que não cedeu o lugar ganhou 2 milhões de seguidores e fechou uma publi com o Magazine Luiza, Colorama e uma empresa de jatinhos particulares. Só no Brasil mesmo.
Então, ao invés de chover no molhado, vou deixar aqui alguns links para vocês pensarem neste caso sob a ótica da:
Influência, pela news da Contente:
“É aqui que histórias como a da mulher no avião ganham vida. Não porque têm profundidade ou relevância real, mas porque são perfeitas para o formato da economia digital: curtas, carregadas de emoção e fáceis de espalhar”.
Marketing de oportunidade, da edição olímpica dessa newsletter:
“a ocasião influencia na decisão"
Não aprendi dizer adeus
🎾 Acho que vou fazer isso: mulher dopa todos os participantes de um torneio de beach tennis para vencer. Teve atleta com AVC. Caso de polícia. Tudo pelo beach.
📚 Bibliotecas no Canadá estão reinventando o calendário do Advento com pacotes de 24 livros embrulhados, oferecendo uma pausa literária e reflexiva durante o frenesi das festas de fim de ano.
🤖 Para tudo! Snoop Dogg e Dr. Dre se encontram com Frank Sinatra e Sammy Davis Jr em comercial para a marca de gin da dupla, a Still G.I.N. O encontro foi possível graças ao uso de IA para recriar os ícones do passado. Olha só:
📕 Acabei de ler Um Prefácio para Olívia Guerra, de Liana Ferraz. Que livro triste, meu Deus. Uma excelente leitura. Lindamente escrito. As palavras dançam para compor a dor da personagem que, aos 8 anos, presenciou o suicídio da mãe. Lindo, mas triste.
🔎 Estou VICIADÍSSIMA nisso: Murdle, um livro interativo em que a gente analisa pistas para descobrir quem cometeu 100 terríveis assassinatos. É um como jogar detetive, mas em livro. Quer sair da rede social? Compre um.
Da newslettersfera:
Adorei essa edição da Segredos em Órbita, em que destrincha, a partir de um conto de Issac Asimov (não conhecia e já estou procurando), o que nos daria sensação de poder, em um mundo que as máquinas são usadas para tudo.
Amo Disney e amei essa edição da Cyne News, com co-autoria da , que também escreveu uma história fofa de natal de um cãozinho que quase encarnou o Grinch no Natal da família.
E os efeitos nas indústrias alimentícia, vestuário, fitness e beleza que o advento do Ozempic proporcionou? Interessantíssima a pauta que a trouxe.
Mas deixo você ir
Com lágrimas no olhar, mas é de sono.
Um beijo,
- Andrea
eu adorei a crônica, andréa! e demorei 42 anos e 3 meses pra descobrir que não é auí mauê na música do rei leão. cantei errado a vida toda. um beijo!
e agora estou com essa música na cabeça pqp essa criança conseguiu ultrapassar os limites da tela rsrs