Arroz e ovo mexido. Sem feijão. Sem mistura. Sem salada.
Minha mãe ficava enlouquecida. Como assim só arroz e ovo? Come uma carninha, Andrea. Não adiantava.
Todos os dias era a mesma coisa. Arroz e ovo mexido.
Engraçado como me lembro do dia que decidi que só comeria isso. Eu devia ter uns 3 ou 4 anos. Estava em minha cadeirinha e comi, no canto do prato, só arroz com ovo mexido. A partir dali, este seria o meu prato do dia, todos os dias.
Era arroz, ovo mexido e os lamentos de mamãe. Que tristeza, ela dizia pelos cantos, comparando meu prato com a farta oferta gastronômica da mesa, que ela se esmerava tanto em fazer.
Mas eu não ligava para suas lamúrias. Eu me sentia poderosa, superior. Uma maldadezinha escorria pelos cantos da minha boca ao torturar a mãe.
Não sei porque fazia isso. Talvez porque ela me amasse demais e eu não me sentisse merecedora de um amor tão grande. Ou porque era sufocada por ele. Mamãe dizia que quando eu era pequena tinha a fantasia secreta de que eu amasse só a ela e ninguém mais. Ela queria ser meu mundo. Eu queria ser dona do meu nariz. Ela me achava perfeita e eu queria mostrar-lhe minhas imperfeições. Testar se aquele amor era mesmo verdadeiro. Se era forte o suficiente para passar por cima das horas na frente do fogão e ter de servir a filha com arroz e ovo todos os dias.
Não me lembro quando meu prato ficou mais variado, mas me lembro de quando ela desistiu de insistir. Parou de se lamentar. Servia arroz com ovo mexido e nem me oferecia mais nada. E então, venci a guerra. Provei que sim, eu podia ser quem eu quisesse e sim, ela me amava mesmo em minha tirania. Sendo assim, retirei minhas tropas do campo de batalhas e cedi.
-Mamãe, põe uma carninha?
E o marketing, Andrea Cristina?
Muitas vezes, quando a gente fala de marketing, a gente fala de experiência do cliente. Essa experiência envolve diversas áreas de uma empresa: comunicação, preço, ponto de venda e logística e o próprio produto ou serviço.
Quando a gente fala de eventos, a gente fala da experiência pura e simples, que qualquer coisinha pode fazer com que o cliente ame ou odeie. É onde a gente tem uma oportunidade única de agradar, sem segundas chances.
Bom, quem me acompanhou pelo Instagram, viu que eu estive na Flip na semana passada. Foi a minha primeira vez no evento e eu achei sensacional. A cidade respira literatura mesmo e coisas extraordinárias podem acontecer, como quando eu entrei na Casa Portugal para comer um pastel de Belém e estava começando um painel com Andréa del Fuego e Julian Fuks. Que sorte!
Mas voltemos à organização do evento. A Flip é muito bem organizada. Existe um auditório principal, onde acontece a programação oficial de painéis (todos pagos) e o auditório da praça, com um telão de LED enorme, para quem quiser assistir de graça (vale a pena). Tudo muito bem montadinho e resistente à chuva que caiu.
Além da programação principal, várias casas do centro histórico de Paraty são transformadas em casas, principalmente por editoras, para promover uma programação paralela de rodas de conversa, workshops e lançamentos de livro. São eventos menores dentro do evento principal. Foi aí que encontrei os problemas:
Microfones que não funcionavam e caixas de som que estavam com o som estourado, sabe?
Atraso para começar. As mesas tinham cerca de uma hora de duração, eles atrasavam dez por conta de desorganização e depois mais dez (ou mais) só de apresentação dos painelistas. Não restava muita coisa para absorver.
Cunho político em mesas que não tinham nada a ver com política. Sei da força da palavra, da influência de uma escrita, mas aconteceu de eu querer ouvir sobre literatura e me ver dentro de um comício. Nessas horas a gente levanta, sai e se lamenta por não ter escolhido melhor. Acho que a organização da casa precisa se assegurar de que os painelistas vão se manter dentro do tema proposto.
Uma coisa que me irritou muito: não ter o livro das escritoras nas casas que elas participaram. Hello, Editoraaaaas! Como assim perder uma oportunidade dessas de garantir que o livro do seu autor esteja lá, se não nas casas, nas livrarias principais. Pois é. Muitos não estavam. Um que eu procurava chegou no meio da Flip. A coletânea de poemas de novas autoras não tinha chegado na casa da editora até sexta-feira à tarde. E eu passei lá na quarta (dia da abertura da Flip), na quinta e na sexta. Um terceiro simplesmente não foi, porque a autora estava lá para divulgar seu outro livro. Gente, sério. Você tem aqueles dias pra vender. As pessoas estão procurando. Como é que não mandam os livros com antecedência? Lastimável.
Enfim, pequenas coisas que comprometem muito a experiência do visitante. Por sorte eu estava inebriada, adorando aquele ambiente de encontros, literatura, artesanato e Paraty, então o saldo foi positivo.
Será que estou sendo virginiana demais?
P.S.: para quem não sabe, sou organizadora de eventos. Pode ser isso também. ;)
Não aprendi dizer adeus
📚 Na Flip, descobri novas autoras que estão na minha lista de leitura. Meus dois próximos livros serão:
A filha primitiva, da Vanessa Passos.
Essa mundana gente, de Ana Daviana
📚 Também está na minha lista o “Borboleta azul e outras crônicas”, da minha amiga de escrita, Camen Palheta. Ela também fez o lançamento oficial na Flip, mas estou indicando porque a escrita da Carmen é linda, forte e sensível. Sou fã. Aproveita que está saindo por R$10,91 com Amazon Prime.
😅 Eu ri: funcionário de museu na Holanda joga obra de arte no lixo por engano.
Assisti e amei (talvez você também), a série Ninguém quer. Comédia romântica no ponto que a gente gosta pra terminar o dia sem pensar em nada.
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💌 Newslettersfera: o que li essa na última semana:
How Victoria's Secret Lost Its Way, na newsletter Back Row de Amy Odell
Revelação Onírica, da Marinando, newsletter de crônicas da
Dia das crianças, a edição de filmes nostalgia da
Flavia Ferrari | Histórias que inspiram #11, na news da , sobre transição de carreira. Adoro a Flávia Ferrari, mestra da limpeza.
Sobre: dias de semana, edição fofa da Palavruda, em que a atribui uma cor a cada dia da semana.
Mas deixo você ir
Porque depois de campeonato de beach tennis na Bahia e ida à Flip, preciso trabalhar para pagar o cartão.
Até a próxima,
- Andrea
pedra sabão 🧼
atrasos
um calorzãoooo
Faltou essas fofocas ruins na minha 😅😂😂
Adoro a sinceridade de Andrea💕
Não acompanhei muitas mesas, mas me vi relevando muitos dos problemas das casas, das livrarias, de Paraty. Fiquei refletindo, a partir do seu texto, sobre como a gente se acostuma a não ter uma experiência completa e, portanto, fica com a impressão de que "merece menos" como usuário/ consumidor por estar em um espaço artístico e literário.
Acredito que o dia em que a literatura ou as artes em geral forem mais "profissionais", talvez tenhamos mais respeito e reconhecimento da sociedade. Bjs!