Restaurante por quilo. Aquele lugar mágico onde a feijoada encontra o sushi de salmão com manga. Um microcosmo da vida brasileira. Um lugar com uma fauna tão diversa e intrigante, que mereceria um documentário na Discovery Chanel. Adoro observar as diversas espécies que marcham em fila ao lado de buffets de inox, cumprindo sempre o mesmo ritual. Detesto esperar o cara da frente decidir se quer feijão preto ou carioca.
Nesses dias sem comida em casa, este santuário gastronômico é meu salvador. Fazer o quê? Não deu tempo de ir ao mercado… Resignada, pego meu prato e entro na fila, que anda a passos de formiga.
Na minha frente, uma mulher trava um embate com a salada. Folha a folha, ela revira a alface no pegador de metal, como se estivesse investigando um crime. Deduzo que esteja procurando uma larva ou algum sinal de que aquele vegetal não tenha passado pelo crivo da higienização. esteja bem lavado. A rúcula sofre o mesmo escrutínio; o agrião, curiosamente, não.
Observo a cena com uma mistura de impaciência e fascínio. Eu? Nunca pego salada. Tenho essa paranoia sobre perdigotos voadores atingindo a comida crua exposta, então, para mim, nada cru no restaurante por quilo é uma regra.
Finalmente, a perita da salada se dá por satisfeita, mas a fila continua parada. Espicho os olhos para entender o que nos impede de avançar.
- Quer frango, Joãozinho?
- Não.
- Carninha?
- Não.
- Filho, precisa comer uma proteína.
- Quero batata frita.
A mãe negocia com seu filho o almoço daquele dia. Tenho vontade de pedir que negociem fora da fila. Mas eles continuam.
- Come então um strogonoff. Olha só. Você gosta tanto.
- Strogonoff? Ah, não tinha visto. — a voz não é de Joãozinho.
Uma senhora que já está com lasanha no prato, quase chegando na seção de comida japonesa, é arrebatada pela palavra mágica. Com a urgência de quem descobre um tesouro, volta pedindo licença, atravessa a fila e serve-se de strogonoff. E grita:
- Benhê! Você viu que tem strogonoff?
O marido, que já havia colocado o prato na balança, pede desculpas à atendente e se junta à esposa na busca pelo strogonoff. Licença, licença. Enquanto isso, mãe e filho, obrigados a sair da fila, não mais negociam o almoço, apenas observam o caos que se instaurou bem ali, na sua frente.
O casal se serve e tenta voltar ao seu lugar na fila, sob olhares ressabiados e expressões contorcidas, mas ninguém ousa reclamar.
Finalmente, a mãe consegue servir Joãozinho, e a fila anda. Estou quase saindo da seção de saladas, quase! Meu arroz e feijão estão a poucos passos de distância e, minha paciência, por um fio. Fé no processo. Não vou desistir.
Do outro lado do buffet, avisto um homem em profunda meditação diante dos grelhados. Seu olhar fixo nas carnes sugere uma decisão difícil. Ele mexe e remexe os bifes com a pinça de inox até, finalmente, escolher um. Mas, arrependido, devolve o filé ao réchaud, como se nada tivesse acontecido. Sim, ele devolve. Será que ninguém lhe ensinou que comida, uma vez servida, não se devolve? Claramente, não.
O indeciso pega um pedaço de frango e segue. Avança alguns passos, para, pensa, medita de novo. Decide que quer salada, mas ela está muito longe. Observa as folhas ao meu lado com grande pesar. Sem alternativas, volta atrás e pega uma fatia de torta. Seu ziguezague constante força as pessoas ao redor a prever seus movimentos para evitar colisões com as bandejas.
Entediada, troco olhares com a atendente que está ao lado da balança. Ambas suspiramos longamente. Eu ainda estou na seção de saladas, com o prato vazio.
Não aprendi dizer adeus
🇧🇷 Você sabia o restaurante por quilo é uma invenção genuinamente brasileira? Encontrei a história de sua origem aqui no site da ABRASEL.
🥗 Também encontrei no site da Superinteressante algumas dicas para se dar bem no restaurante por quilo. Achei útil.
🎶 Para embalar o almoço dessa semana, a playlist de verão de Barack Obama.
🎤 Preciso falar de Silvio Santos. Nosso patrão. Rei dos domingos. Um ícone. Uma lenda. O maior comunicador que este país já teve. Pensei em fazer uma edição especialmente para ele, mas faço minhas as palavras do nesta homenagem:
⭐️ Também gostei muito dessa postagem do perfil Publireview, que diz:
“Gênio não morre, entra pra história. Gênio não se despede, abre as portas para o seu legado. Gênio não morre, gênio fica eternizado através das suas obras”.
📺 Já dei essa dica aqui, mas acho oportuno falar novamente: a série O Rei da TV na Disney+ é demais. Em 1988, Silvio Santos é diagnosticado com um grave problema nas cordas vocais, o que pode deixá-lo sem voz. O medo de ser obrigado a abandonar os palcos traz à tona memórias de sua trajetória: desde a infância como camelô até a luta pelo SBT.
A família Abravanel criticou a série, mas eu achei um excelente entretenimento e um retrato do carisma e da inteligência do rei dos domingos.
Mas deixo você ir
Mas não sem antes te contar que neste último sábado foi oficialmente lançado o Gradiente, coletânea de 22 escritoras orientadas pela
, entre elas, eu.Foi lindo. Foi emocionante. Foi a realização de um sonho coletivo e o resultado de um trabalho de um grupo que se apoiou, se respeitou e se ajudou muito no processo e durante o último ano na Comunidade de Escrita Afetuosa.
Adorei conhecer pessoalmente tantas escritoras que encontrava apenas online. E amei rever aquelas que já conhecia. cada uma das escritoras. Estou anestesiada até agora e vou falar do Gradiente mais vezes por aqui. Por enquanto, compartilho algumas fotos com você:
Para quem quiser adquirir seu exemplar, me mande uma mensagem. Tenho alguns exemplares comigo e te mando autografado. :)
Até a próxima semana!
Um beijo,
Andrea
Adorei esse texto. Sempre observo pessoas na fila de self service e as crônicas são muitas desse ambiente. Adorei !!!
Que agonia me deu lendo essa crônica! Acho que teria a mesma reação que você hahaha.
Ai, nossa comunidade é tão linda né?! E esse livro?! Aiai 🥰