Era um domingo.
Como é duro escrever num domingo.
A casa fervilhava desde cedo com solicitações, TV ligada, celulares apitando, videogame no outro quarto, crianças jogando online e se empolgando demais.
Insisti para o menino de 9 anos encerrar a jogatina virtual para fazer a lição de casa até finalmente conseguir. Ele separou o material, sentou-se e eu entendi que aquela era a deixa para que eu pudesse me concentrar na escrita.
- Mamãe, me ajuda aqui?
Interrompi a escrita no início da primeira frase. A matemática do quarto ano me chamava. Leio o problema em voz alta e começo a ensiná-lo a resolver. Ele deveria fazer uma subtração.
- Acho que não foi assim que a professora ensinou.
Suspiro profundamente. O que eu estou fazendo aqui então? Lamentei ter interrompido minha escrita e velei o corpo da matemática da maneira que conheço.
Na minha época (me sinto velha falando assim, mas não consigo evitar), ao fazer a subtração armada de dois números com centenas, dezenas e unidades cada, colocávamos um em cima do outro e começávamos a subtrair da direita para a esquerda, ou da unidade para a centena. Se o número de cima fosse menor que o de baixo, emprestávamos um do vizinho de cima e depois devolvíamos para o vizinho de baixo. Hoje não se empresta nada. Hoje se tira da dezena vizinha e depois subtrai-se o novo número da dezena de baixo. Aposto que você não entendeu. Cocei a cabeça. Até que faz mais sentido, mas nunca vou conseguir dessa maneira. Pelo menos o moleque não precisava mais da minha ajuda.
- Qual suco você quer, mamãe?
Agora é a mais nova. Chegou devagarinho, com seus copinhos de plástico na mão. Parou ao lado da mesa, fingiu interesse na subtração e esperou a deixa para me envolver na sua brincadeira de comidinha.
- Laranja.
- Não tem.
- Então limão.
- Não tem.
- Qual tem?
- Adivinha.
Olho para a jarra de brinquedo vazia.
- Melancia?
- Ai, mamãe, pêssego com caju e maionese, não está vendo?
Como foi que não vi?
- Mamãe, agora preciso copiar no meu caderno, 5 problemas do planeta Terra.
Pisquei e já estávamos na lição de ciências.
- Você também quer hambúrguer, mamãe?
Quero. Quero qualquer coisa. Façam qualquer coisa que eu aceito. Só me deixem terminar de escrever.
- Sobremesa?
Sim, a mamãe quer sobremesa. A mamãe adora sobremesa. Qual? Tanto faz. Eu tenho MESMO que escolher? Como assim não tem brigadeiro?
- Mamãe, você viu que lançaram Fifa 24?
Não vi.
Também não vi quando que ele acabou a lição. Ou quando ele passou por mim para voltar ao videogame. Dei-me conta de que tampouco vi onde está o pai dessas crianças, até que…
BLAM! PÁ! TUM-TUM-TUM.
- Que barulheira é essa?
Ah, aí está ele. Acordaram-no de seu sono de Belo Adormecido no sofá da sala.
- Mamãe, você viu que vão reviver o dodô?
Nem sabia que estavam extintos, agora recebo a informação de que vão revivê-los com energia nuclear, algo assim, lá nas Ilhas Maurício. Enquanto dodôs renascem das cinzas, maridos desfalecem no sofá. É o ciclo da vida.
- Mamãe, olha isso.
- Mamãe, consegui a arma XPTO aqui do Fortnite!
- Olha, mamãe! Olha o que eu sei fazer!
- Mamãe!
- Mamãe
- Ma-ma-nhêêê!
Tem dias que até o marido se cansa.
- DEIXEM A MAMÃE TOMAR CAFÉ!
Mamãe é a palavra que mais ouço diariamente. Sempre seguida de um pedido, uma súplica, uma solicitação. Cansa. Tem dias que não quero me esconder. Fingir estar no banheiro para mexer no celular, sabe?
Mas como ignorá-los? Eles têm armas poderosas de persuasão. Sua carinhas cheias de ternura, vozes fininhas, olhares que pedem para serem notados, adotados, bem cuidados, como cãezinhos abandonados. Eles só querem a mamãe lhes dando atenção, participando de suas vidas.
“Aproveita que eles crescem logo”, diz minha mãe. Ela tem razão. Como é que posso ignorá-los, sabendo que tenho apenas mais alguns anos com eles assim, grudados em mim, querendo que eu faça parte de tudo que os envolva. Penso que em uns três anos mais ou menos, o Rafa vai é me expulsar do quarto, pedir privacidade e eu vou ter que respeitar. Sendo assim, respiro fundo, olho em seus olhinhos de cachorrinhos perdidos e aceito o suco de pêssego com caju e maionese e pergunto o que mais eles podem me contar sobre os dodôs.
E o marketing, Andrea Cristina?
Percebeu quem no final da crônica de hoje eu não consigo mandar os filhos pra lua, para não dizer outro lugar? Estou claramente de saco cheio, mas não os tiro de perto de mim. Nem cogito isso verbalmente, embora secretamente eu o faça. Existe um motivo psicológico para isso, que faz parte dos estudos de psicologia do consumidor. Estou falando da AVERSÃO AO ARREPENDIMENTO.
O arrependimento é a emoção mais forte quando compramos porque somos avessos a perdas por natureza. Aliás, perder algo nos atinge 2 vezes mais do que ganhar. É um tiro no peito. Pra quem é de escorpião então, meu Deus.
Portanto, cada decisão que a gente toma é baseada na que envolve a menor chance de nos causar arrependimento.
“Vou me arrepender por não ter ido ao evento?”
“Vou me arrepender por ter comprado mais uma blusa preta e não uma amarela?”
Embora as pessoas possam se arrepender de comprar seu produto, elas temem AINDA MAIS o arrependimento por não comprá-lo. Mas a gente quer facilitar a vida dos clientes, né? Tirar o medo da compra e ainda dar-lhe garantias que ele não vai se arrepender.
🤑 Como aplicar isso no marketing?
Algumas maneiras:
Oferecer garantias. O velho “se você não estiver satisfeito, devolveremos o seu dinheiro". Show! Se eu me arrepender, eu devolvo, eles devolvem meu dinheiro e está tudo bem, não vou sofrer. Aliás, sempre quis comprar as meias Vivarina e as facas Ginzu para pegar a devolução do investimento de qual perdesse o embate.
Responder objeções antes que se tornem objeções. Por exemplo, na compra online, quando a gente não sabe se é P ou M, a loja que oferece o provador virtual aumenta suas chances de venda. Mas principalmente: quando as avaliações de quem já comprou respondem às novas dúvidas, a gente fica com mais certeza de comprar e não se arrepender.
Crie alguns ganhos imediatos após a compra. Quando você assina o Prime da Amazon, já vê a vantagem do frete grátis assim que conclui a assinatura. Sem arrependimentos!
Cada compra vem com esta pergunta de um milhão de dólares:
“Vou me arrepender de ter feito esta compra ou por NÃO ter feito?”
E eu?
Vou me arrepender por ter afastado as crianças de perto de mim para escrever ou por não ter feito isso?
Não aprendi dizer adeus
Como não podia deixar de ser:
📺 O comercial das Facas Ginzu:
📺 O das meias Vivarina:
E o embate:
💌 Como você percebeu, essa é a 101ª edição desta newsletter. Se não viu a número 100, segue aqui o link:
💁🏻♀️ Quero dar as boas vindas à quem acabou de chegar! Acho que é de bom tom eme apresentar. Essa sou eu:
Mas deixo você ir
Com lágrimas no olhar de quem está oficialmente com as crianças de férias em casa. Agora, todo dia é domingo.
Até a próxima!
- Andrea
Nossa, Andrea, minha filha também veio me contar essa história dos dodos. Me mostrou vários vídeos como humanos extinguiram a espécie. Deve ser tiktok rsrrssr
Adorei!!!